terça-feira, novembro 15, 2011

A morte fica-lhe tão bem

Henry Hopper e Gus Van Sant
— rodagem de Restless
Fiel às personagens mais jovens, Gus Van Sant continua a fazer um cinema que transcende as gerações e as suas barreiras. Incluindo a barreira da morte: Inquietos/Restless é um filme sobre um jovem que frequenta funerais e também um exercício sobre os limites com que encenamos a nossa própria vida — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 de Novembro).

Enoch Brae (Henry Hopper), o herói do filme Inquietos/Restless, não é deste tempo. Não pertence, pelo menos, a essa histeria de êxtases com que o mundo televisivo e publicitário representa os mais novos: os jovens surgem quase sempre como patetas risonhos cuja identidade depende do telemóvel que usam e da marca de cerveja que escolhem ou, então, distinguem-se por dar pulos quando para eles se aponta uma câmara... Enoch é uma pessoa séria. A sua actividade mais regular consiste em frequentar cerimónias fúnebres. Não sabemos bem porque o faz, nem o filme gasta tempo a racionalizar o seu comportamento. Aliás, tendo em conta que há um fantasma de um kamikaze japonês que o visita com frequência, convenhamos que a racionalização não é a coisa mais importante para a realização de Gus Van Sant. Trata-se apenas de verificar que a convivência com a morte não é o contrário da vida, mas uma estranha e tocante forma de intensificação dos seus factos e valores.
Como todos os aventureiros à deriva, Enoch terá que lidar com o reverso da sua modesta utopia: o encontro com Annabel (Mia Wasikowska) implicará o reconhecimento de que não há fronteira nítida entre a morte dos outros e a nossa própria morte. A tal descoberta podemos dar muitos nomes: filosofia, amor, religião... Em todo o caso, o filme de Gus Van Sant faz-se da serena coexistência de todos esses elementos, díspares na sua lógica, cúmplices na sua expressão. É um filme contra o determinismo dos tempos e essa obscenidade com que nos querem fazer existir apenas em função de um rótulo (familiar, social ou geracional). O seu lema poderia ser a célebre frase de Jean Cocteau: “O cinema filma a morte no trabalho.” Não parece, mas é uma comédia.