terça-feira, novembro 08, 2011

Jafar Panahi: o exílio interior


As notícias sobre Jafar Panahi tornaram-se peças fundamentais de um processo de defesa dos direitos humanos de que o cinema é, afinal, um palco fundamental. Daí a importância extrema do lançamento de dois dos seus filmes no mercado português. Um deles, Fora de Jogo (2006), simboliza de forma exemplar algumas componentes sociais e simbólicas da condição feminina no Irão; o outro, Isto Não É um Filme, constituiu um dos momentos altos da última edição do Festival de Cannes e envolve a dádiva de um criador que, na sua condição de exilado no interior da sua própria casa, não desiste do cinema e... continua a filmar — o texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (3 de Novembro), com o títuo 'Isto não é uma crítica'.

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Subitamente, o lançamento de dois filmes coloca o nome de Jafar Panahi na nossa actualidade. E sem precisar de fazer pose de “famoso” mais ou menos cor de rosa acumulando, em duas frases, um mínimo de três disparates... Nada disso: é um cineasta vivo que luta contra a condenação de que foi alvo por causa do mais básico gesto artístico. Que gesto? O de não desistir de olhar à sua volta.
Fora de Jogo (2006) é um eloquente exercício desse olhar. Panahi filma algumas mulheres do Irão que querem ir assistir a um jogo de futebol e não podem porque, nas bancadas, só há lugar para homens... Evidência rudimentar: tudo que acontece em torno do futebol pertence ao domínio político, articula-se com o modo de organização das sociedades e, em particular, as relações homem/mulher.
Mas é em Isto Não É um Filme (2011) que compreendemos a singularidade do destino de Panahi. Com a colaboração do seu amigo Mojtaba Mirtahmasb, também cineasta, Panahi filmou-se, em casa, enquanto aguarda o desenvolvimento do seu processo nos tribunais. Expondo um paradoxo fascinante: por um lado, há qualquer coisa de claustrofóbico no seu exílio interior; por outro lado, os novos recursos digitais (câmara de filmar, telemóvel, Internet) colocam-no no “centro do mundo”, aí onde todas as questões artísticas e políticas adquirem uma ressonância contagiante.
Através da negação que o próprio título arrasta (ser ou não ser um filme), somos envolvidos no poder radical do cinema: o real é algo que construímos, mesmo que no espaço restrito de um simpático apartamento de Teerão. Para mais, Panahi nunca menospreza um misto de humor e desprendimento que confere a Isto Não É um Filme o tom de um registo familiar e “amador”. Em boa verdade, a contundência da sua verdade passa também por aí.