Na dupla condição de actor e realizador (também co-argumentista), George Clooney regressa aos meandros da política, colocando em cena os bastidores de umas eleições primárias para a escolha do candidato do Partido Democrata à Presidência dos EUA — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 de Novembro), com o título 'A política também tem sexo'.
Ainda haverá espaço para a herança do cinema liberal de Hollywood? George Clooney acredita que sim. Mostrou-o com o brilhante Boa Noite, e Boa Sorte (2005), confirma-o através da sofisticada subtileza de Nos Idos de Março.
O espírito liberal passa pelas referências políticas que o seu trabalho mobiliza, mas está longe de se esgotar nelas. Aliás, neste contexto artístico, o “liberalismo” pouco ou nada tem a ver com as conotações económico-financeiras que a palavra pode arrastar, nomeadamente em contexto europeu. Retomando uma tradição que passa por alguns grandes filmes dos anos 70, assinados por cineastas como Alan J. Pakula (A Última Testemunha, 1974) ou Sydney Pollack (Os Três Dias do Condor, 1975), Clooney encena o drama liberal, por excelência. A saber: as contradições que emergem entre as lógicas de grupo e a integridade individual.
Daí a visão profundamente céptica que emerge do filme. Ao encenar os bastidores de uma campanha eleitoral, Clooney consegue superar os elementos mais óbvios do combate ideológico ou mediático, depurando a sua história até à interrogação mais radical, típica do clássico filme liberal: afinal, onde está a verdade? Mais do que isso: como dizê-la? É um labirinto de que ninguém sai incólume e onde, além do mais, pressentimos as marcas de um estranho e perturbante sexismo: Nos Idos de Março é também um drama sobre a reprodução dos modelos masculinos de poder. Que seja uma estrela como Clooney a filmar isso, eis o que diz bem da contundência do empreendimento.