Com Elena Anaya [foto] e Antonio Banderas, A Pele Onde Eu Vivo é uma aposta, tão interessante quanto limitada, na renovação do mito de Frankenstein. Para onde vai, afinal, o cinema de Pedro Almodóvar? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 de Novembro), com o título 'Um cineasta sem ataques de nervos'.
Para onde vai o cinema de Pedro Almodóvar? Eis uma pergunta que se justifica pelo menos desde a avalanche de citações (e, sobretudo, auto-citações) de Kika (1993). Depois do tom exibicionista desse filme, e com excepções como Fala com Ela (2002), o cineasta espanhol parece limitado pela necessidade de confirmar a sua própria “imagem de marca”, em boa verdade a que lhe garantiu um inquestionável prestígio internacional.
O novo A Pele Onde Eu Vivo é, de uma só vez, a ilustração desse bloqueamento criativo e um breve vislumbre da energia fundadora do seu universo. Porque, enfim, a pergunta mais oportuna será inversa. A saber: de onde vem o cinema de Pedro Almodóvar? Vem do fabuloso sentido de irrisão e burlesco que Negros Hábitos (1983) pode simbolizar. E vem também de uma nostalgia paradoxal pelo melodrama que se exprime tanto na geometria trágica de A Lei do Desejo (1987) como no delirante tom de comédia de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988).
Dir-se-ia que falta nervo, precisamente, ao trabalho de Almodóvar. De tal modo que, face a A Pele Onde Eu Vivo, sentimos que a proliferação de cauções temáticas ou artísticas (a começar, claro, pelo mito de Frankenstein) não passa de um estratagema académico para disfarçar a debilidade dramática e a fraca convicção de todo o empreendimento. É bem certo que os filmes de Almodóvar exibem uma produção cada vez mais sofisticada, não se tendo esgotado o seu interesse pelas subtilezas dos actores (veja-se a entrega de Marisa Paredes). Mas em vez de um cineasta a exibir a perfeição do seu “método”, que bom seria reencontrar as imperfeições felizes e o sentido de risco dos seus primeiros filmes.