quinta-feira, outubro 06, 2011

Sangue do nosso sangue

Cleia Almeida (em primeiro plano: João Canijo e Marcello Urgeghe)
– rodagem de Sangue do Meu Sangue
Sangue do Meu Sangue, de João Canijo, é o acontecimento do momento: a prova eloquente de que existe um realismo português & universal – este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Outubro), com o título 'A nossa família portuguesa'.

Como falar do mundo à nossa volta? É a mais velha questão dos que apostam em trabalhar com uma câmara de filmar (ou vídeo, se for caso disso). É também a questão que, todos os dias, a televisão reduz a uma transparência pueril: será que jornalistas e repórteres acreditam mesmo que colocar alguém no meio da rua, com um microfone na mão, de preferência rodeado de grande agitação, envolve um efeito de verdade, automático e inquestionável?
Sangue do Meu Sangue é um filme realmente apostado em lidar com os problemas decorrentes da aposta de olhar à sua volta. Há nele um empenho na afirmação de uma cultura genuinamente cinematográfica que, com alguma ironia, envolve uma enorme disponibilidade formal. Assim, a sua estreia ocorre numa cópia de 140 minutos, mas estará também em exibição a versão “longa” (190 minutos) e, mais tarde, surgirá uma montagem “intermédia” (cerca de 160 minutos) em três episódios para televisão.
João Canijo começa por afirmar a possibilidade de lidar com os actores muito para além da formatação com que o modelo telenovelesco tem castigado os nossos olhares e a nossa capacidade de imaginação. Rita Blanco, Cleia Almeida e Anabela Moreira são os primeiros rostos de um elenco admirável em que a verdade dos gestos e emoções serve para abordar o labirinto das relações familiares e sociais sem nunca anular a irredutibilidade de cada ser humano.
Realismo social, então? Sim. Mas realismo cujo ponto de fuga é eminentemente trágico. Sangue do Meu Sangue coloca em cena esse assombramento muito português que nos faz sentir que nunca saímos da mesma família, do mesmo sangue. Grande filme português? Sim, sem dúvida. Mas não tenhamos receio de desafiar o nosso complexo de inferioridade e digamos, sem equívoco: grande filme. Ponto.