domingo, outubro 09, 2011
A arte de criar a ilusão da cor
Gravação ao vivo dos dois concertos para piano de Franz Liszt por Daniel Baremboim (ao piano), acomopanhado pela Staatskapelle Berlin, dirigida por Pierre Boulez. Um dos momentos maiores, até ao momento, do ano Liszt, num lançamento da Deutsche Grammophon.
As efemérides, afinal, até servem para alguma coisa. E se fosse preciso encontrar uma justificação (entre tantas outras possíveis, é verdade) para as celebrações dos 200 anos de Franz Lizst, bastava apontar o disco que acaba de ser lançado no catálogo da DG juntando os nomes de Pierre Boulez e Daniel Baremboim em torno dos concertos para piano e orquestra do compositor húngaro. Dividindo muita da sua actividade entre o piano e a direcção de orquestras, Daniel Baremboim apresenta aqui a sua primeira gravação destes concertos. A seu lado a Staatskapelle Berlin, mas com a batuta entregue ao veterano Pierre Boulez, num registo que assim propõe dois protagonistas peso maior. Esta é uma gravação ao vivo, captada ao vivo durante a pequena digressão que levou Baremboim, Boulez, estes concertos e a orquestra a cinco cidades.
No texto que encontramos no booklet Baremboim explica que uma das razões que o levou a pensar esta apresentação conjunta dos dois concertos se deve às diferenças que existem entre ambos, lembrando que o Concerto Nº 2, se bem que habitualmente menos apresentado em programas que o primeiro, não deixa de ser uma “obra-prima”, acrescentando até que o cromatismo do primeiro andamento lhe lembra o Lohengrin, de Wagner.
Das duas composições muito já se escreveu, levantando por vezes um debate antigo que questiona se terá sido Liszt um “brilhante tecnicista” (no sentido do virtuosismo que aplicava não apenas à escrita mas também à interpretação) ou se um “poeta sensível”. Na verdade, escutando estas duas obras, de fio a pavio, há que levantar uma terceira hipótese (certamente já colocada): e porque não a soma de ambas? De resto, numa abordagem ao trabalho interpretativo, Baremboim refere no booklet há que ter em conta outras formas de entender o sentido de virtuosismo. Uma expressão que “não significa apenas uma dexteridade digital”, mas também a “exploração de toda a paleta de cores que faz parte da interpretação pianística”. Baremboim propõe então uma imagen: podemos tocar num piano com um cinzeiro. “Não é interesante, não é belo, mas ao menos é um som. Por isso a arte de tocar piano é uma ilusão. E é precisamente a neutralidade do piano que permite a criação da ilusão da cor”. Daí conclui que, para si, o verdadeiro virtuosismo “não é apenas o controlo do tempo e dinámica, mas também dos milhões de cores que podemos criar ao piano como uma forma de ilusão”. Consegue-o, e de forma exemplar, acompanhado por uma segura direcção de Boulez, frente a uma orquestra em grande forma.