Este texto é uma versão encurtada e editada de um trabalho publicado na edição de ontem do DN, juntando excertos de ‘Uma visão da música que não é apenas coisa de ouvir’ e ‘Um gosto incansável pela experimentação’.
Björk
“Biophilia”
One Little Indian / Universal
4 / 5
Se caminharmos através dos álbuns que Björk editou desde que, em 1993, encetou nova etapa da sua carreira com o excelente Debut, verificaremos que na sua agenda sempre morou uma vontade de não se repetir e um gosto particular pelo desafio. Umas vezes acertando na mouche, como sucedeu com olhares sobre formas e arranjos elaborados nos dias de Homogenic (1998) ou quando apontou azimutes à exploração digital do detalhe em Vespertine (2001). Outras tropeçando em armadilhas formais, como sucedeu com Medúlla (2004). Bipohilia assinala o regresso de Björk aos seus melhores dias, num disco que junta as electrónicas a fontes de som que resultam de novos instrumentos feitos à medida das necessidades. Reencontrando o poder primordial da canção. E com um quadro de intenções que vão para lá da música (mas nela concentrando a medula dos acontecimentos).
Não apenas representa o seu melhor disco em dez anos como traduz a expressão de uma vontade de ir além da música, usando a imaginação e as novas tecnologias ao seu dispor como ferramenta para a criação de algo que é mais que apenas um disco. De resto, por várias vezes Biophilia foi já descrito como um álbum de aplicações. Se, pegando no CD, nos parece “apenas” um disco, na verdade tanto a sua criação como a pluralidade de formatos em que é apresentado sublinham uma relação com uma nova era em que a música e as imagens podem existir em várias plataformas multimédia. Durante a gestação do álbum Björk e colaboradores criaram novos instrumentos pensados para servir características de som pretendidas (como aconteceu, por exemplo, com o caso do cruzamento de uma celesta com um gamelão, que escutamos em Crystalline). Ao mesmo tempo Björk desenvolveu um conjunto de aplicações para iPhone e iPad, cada canção surgindo assim como uma experiência multimédia em alguns suportes, umas vezes propondo jogos, noutras expondo informações complementares ou sugerindo aventuras virtuais através de imagens digitais.
Pelos títulos das canções passa uma relação próxima com o chão que pisamos e com o mundo vivo a que pertencemos. Esta ligação à terra parece ser, de resto, referência genética natural numa zona do globo sempre colocou o homem face a uma relação próxima com o fogo dos vulcões e o frio do gelo, realidades de um quotidiano vivido com o mar em volta. Se Hekla (obra com o nome do maior vulcão activo da ilha), de Jón Leifs , assinalou em 1961 o nascimento de uma música moderna islandesa, na relação com a geologia que passa pela música de Björk (que ganha particular materialidade neste disco), encontramos assim a continuação da expressão de uma realidade que brota do solo, traduz ligações culturais mas que depois a cantora lança ainda mais adiante, vincando uma vez mais a sua forte personalidade.