* Este rectângulo negro com um aviso sobre as características de uma imagem do cadáver de Muammar Kadhafi surgiu no jornal The New York Times; aqui em baixo reproduz-se a amostragem dessa mesma imagem (e outras) em The New York Post.
* O que é que distingue estas duas variantes jornalísticas? É simples responder a tal questão: a primeira mantém uma relação de respeito pela sensibilidade de cada leitor, mesmo que em moldes necessariamente abstractos (afinal, cada leitor é sempre um desconhecido); a segunda decorre do horror profissional e moral em que se transformou o jornalismo "tablóide", "de sensação" ou "cor-de-rosa" (a designação é apenas um pormenor).
* E, no entanto, há aqui um mesmo logro em que, perversamente, Times e Post se equivalem. De facto, o reconhecimento implícito da dimensão chocante das imagens decorre de um pressuposto filosófico e mediático perfeitamente irrisório. A saber: tal reconhecimento envolve a hipótese de que, numa espécie de mundo (informativo) ideal, seria possível dispensar as imagens em causa. Na verdade, é não compreender que os media vivem sob um regime de obscenidade generalizada em que não há nenhuma ordem visual globalmente aceite. Chegámos mesmo a esse ponto trágico, pós-cristão, em que já não conseguimos conceber a possibilidade de aceitarmos a interdição de alguma imagem — ignoramos o pudor e a sua possível inteligência.
* Jornais como Le Monde, Diário de Notícias ou Público souberam lidar com estas imagens com a frieza que se impunha — não como "figurações" do real, mas sim elementos constitutivos desse mesmo real. Em todo o caso, para a história, fica a primeira página do Libération de 21 de Outubro. Porquê? Porque a foto é apresentada como foto, identificada/enquadrada na sua especificidade e, acima de tudo, porque a contundência da manchete faz triunfar a palavra escrita sobre a volatilidade do visual — pedir "desculpa" pelas imagens é uma derivação pueril; o destino do jornalismo dos nossos dias é, em última instância, uma genuína questão literária.