quinta-feira, outubro 06, 2011
Histórias de amor incondicional
Uma história sobre um amor incondicional. E num espaço concreto. Assim foi o ponto de partida para uma ideia que, após dois anos de trabalho entre realizador e elenco, fez nascer a narrativa que agora podemos acompanhar em Sangue do meu Sangue, novo filme de João Canijo, um dos melhores filmes que vamos ver este ano e, garantidamente, um episódio maior na história do cinema português. Melodrama na essência, assimilando contudo as características do espaço e das gentes que o habita (o Bairro Padre Cruz, um núcleo familiar e aqueles que o orbitam), Sangue do meu Sangue traduz, de facto, essa premissa inicial. O amor incondicional de uma mãe (interpretada por uma arrebatadora Rita Blanco) por uma filha (Cleia Almeida), esta caída de amores por um dos seus professores (Marcello Urgeghe), este casado (com uma mulher serena, elegante, magnificamente criada por Beatriz Batarda) ao mesmo tempo que mantém uma relação com um segurança (Francisco Tavares) do supermercado onde trabalha. Mas também o amor de uma tia (Anabela Moreira) por um sobrinho (Rafael Morais) ela, cabeleireira, mas de vida desencantada e vazia, encontrando nele o único com quem conta, o recíproco sucedendo quando este se vê metido num cabo de trabalhos com o dealer (Nuno Lopes) para quem trabalha...
Com um realismo, que o longo trabalho de criação de personagens e guião permitiu entranhar na pele de cada um dos actores, Sangue do meu Sangue não se esgota contudo nas belíssimas interpretações ou num argumento daqueles que contam histórias com principio, meio e fim (e por essa ordem). Há um olhar que se poderia confundir com uma visão documental mas que nunca esquece que serve uma ficção. Há espantosos enquadramentos e jogos de duplicação de diálogos em espaços distintos mas visíveis num mesmo ecrã (um pouco como, quando na ópera, várias linhas vocais se cruzam para fazer evoluír, cada qual, a história que acompanhamos). Há um saber retratar o país que somos, dos Buraka Som Sistema a Tony Carreira vivendo a música que, incidentalmente, cruza a acção. Há instantes de humor que não deixam contudo de vincar o profundo drama que acompanhamos. E há, no fim, uma experiência de cinema absolutamente envolvente.
Há a partir de hoje nas salas de cinema duas versões distintas, a mais curta (com cerca de 140 minutos) mais concisa, mas plena na capacidade de nos mostrar toda a narrativa. A mais longa acrescentando sobretudo espaços complementares junto às personagens secundárias e tramas adjacentes (e juntando a espantosa presença de Teresa Madruga). Há poucos filmes assim. E há que vê-lo.