sábado, outubro 15, 2011

Entrevistas de arquivo:
Patrick Wolf (2005)


Em vésperas de uma nova passagem de Patrick Wolf por palcos portugueses, recordamos hoje uma entrevista de 2005, publicada então nas páginas do DNmúsica, numa altura em que o músico era quase um ilustre desconhecido, de quem o segundo álbum Wind In The Wires, estava a ser editado entre nós. 

Recorde-se que, amanhã, pelas 16.30, estarei com Patrick Wolf para uma conversa no auditório da Fnac Chiado. 

Quando é que a música se transformou numa prioridade para si? 
Muito cedo escolhi o violino para ser o meu instrumento e fiquei obcecado em ser o melhor comunicador através dele. Quando ouvia música para violino na rádio sentia que era aquilo que queria tocar, criar toda aquela emoção com apenas um instrumento. Cresci musicalmente a partir daí, compondo canções e fazendo sons com o meu gravador de quatro pistas. Quando saí de casa, aos 16 anos, decidi que ia dedicar a minha vida à música. Ou a música ou a desgraça. E resultou!

Que tipo de música para violino o entusiasmava mais: clássica ou folk? 
Clássica.

Preferia mais o estilo vistoso de um Nigel Kennedy ou a pose virtuosa, mas discreta, de um David Oistrakh? 
Nunca tive um violinista de referência. O meu avô tinha uns discos de 78 rotações, que ouvíamos no gramofone. E tentava imitar o estilo mais antigo de interpretação, meio cigano, romântico, com muita paixão. Nunca me senti muito próximo do mundo da clássica ou da folk. A minha intenção era a de ser o mais emotivo possível.

Na sua adolescência teve duas bandas. Sente-se melhor a solo? 
Sempre soube que as bandas onde toquei eram apenas experiências. Como que tempo para perder. Cheguei a um ponto em que me senti suficientemente confortável com a minha música e com vontade de a editar em nome próprio. Aprendi lições sobre como actuar, sobre como apresentar a música. Mas 80 por cento do tempo que passei em bandas era dedicado à minha música, que ia compondo nas horas vagas.

Estreou-se em Lycanthropy, que obteve boas críticas. Mas comentou, então, que o esforço que dedicou ao disco não teve equivalente no seu sucesso. 
Quando se tem 18 anos e se passou todas as noites fechado no quarto a entregar o coração e corpo a um gravador de quatro pistas ou a um computador vive-se uma espécie de obsessão. Tinha uma editora que não queria fazer nada com o disco. Eu tinha saído de casa, não tinha dinheiro, nem apoio. Queria comunicar... Mas havia toda uma lição para aprender. E acabei por perceber que a música é a coisa mais importante para mim e não necessariamente o seu sucesso. Se quero fazer música até morrer não me importo se um disco tiver um ouvinte e outro um milhão.

Estudou composição no Trinity College... O que procurou? 
Foi quando estava a fazer o Lycanthropy, que foi um processo muito longo. Senti que precisava de algo mais e fui estudar música. Aprendi muitas técnicas, sobretudo no trabalho com orquestras. Mas depressa compreendi que o mundo da clássica é demasiado intelectual e académico para a minha música.

Depois dessa etapa mudou-se de armas e bagagens para a Cornualha... 
Depois do álbum editado e da editora decidir que não queria trabalhar mais o disco (antes da Tomlab pegar nele) passei por um período de desilusão. Desencantei-me com muita gente em Londres. O disco teve, mesmo assim, algum sucesso, isto é, boa imprensa, alguma rádio... Alguns amigos ficaram confusos, não sabiam como se comportar comigo e mandei-os à fava! E fui para a Cornualha...

Como passou o tempo na nova casa? 
Lendo, ouvindo música, olhando para a paisagem? Basicamente o que levei comigo foi um orgão que consegui enfira na mala e um bloco de notas por escrever. Tinha um par de calças, uma T-shirt e vivi no limiar da civilização. Foi lindo!

Essa vida mudou a sua atitude para com a composição? 
De certa maneira. Aos 16 anos foi para Paris com a minha banda e dei por mim a tocar na mansão do Karl Lagerfeld nos Campos Elíseos durante a semana da moda. Muito glamour, muitos eventos! Mas eu era o rapaz do violino, de coração cigano. Na verdade queria apenas escrever e cantar. As minhas prioridades foram então baralhadas. Precisei assim de fugir dos telefones, dos amigos, escrever e viver entre a natureza. Era algo que sempre sonhara fazer. E reencontrei as minhas prioridades.

Incomoda-o o facto da maioria dos artigos que se escrevem sobre si frisarem o facto de ser um músico tão jovem? 
Na estrada dizem-me repetidamente duas coisas: sou muito alto e muito novo! Mas só recentemente senti que isso era estranho. Editei o meu primeiro EP quando tinha 18 anos, o primeiro álbum aos 19 e agora tenho 21. E já tenho alguns anos de trabalho na música. Ser muito jovem, para mim, não é assunto. Talvez o seja para os outros que não percebam porque alguém de 21 anos faz isto. Nunca fui para a universidade, saí da escola aos 16... Sinto-me com 28 ou 29 em termos de experiência de vida.

Na sua música a folk está presente [recorde-se que estava a ser lançado Wind In The Wires]. Um reflexo da sua recente vida no campo (embora em Lycanthropy esta música já fosse evidente)?
Sempre esteve em mim. Quando me decidi a fazer música, mesmo sem conhecer a folk, senti que a minha missão seria a de comunicar com todos, das crianças de dois anos às velhinhas de 90. E esse é um elemento básico da folk, despretencioso, nada académico. Não é preciso saber nada para viver a música. Comecei a ouvir folk quando ia a meio do trabalho no primeiro disco. Conheci então a Sherlie Collins, uma cantora folk que fez uns arranjos para a irmã num orgão que eu também estava a usar. Imediatamente percebi que aquilo era muito semelhante ao que eu estava a fazer, isto é, contar uma história sem pretensões.

Sente afinidades com esta nova geração de cantautores folk? 
Ouvi o disco da Joanna Newson. Sinto mais afinidades com as CocoRosie ou o Antony. Quando os conheci parecia que estava a encontra velhos amigos. Falamos a mesma linguagem.

Vê-se como um cantautor, no sentido clássico? 
Não! Espero que isto não soe pretencioso, mas sinto-me um compositor/cantor. No próximo álbum talvez abandone o ukelele e sacrifique o sound system para fazer algo diferente. Cada novo disco deve ser uma nova criação. Não me vejo como aqueles deuses dos anos 60, com guitarra e voz... Wind In The Wires toca na ideia de pegar num instrumento e ser muito básico. Mas daqui a seis álbuns espero estar a trabalhar com uma orquestra sinfónica, sapateado, techno, tudo o que puder. Estou apaixonado pelo som...

Há também um elemento pop no subtexto das suas canções. 
Folk e pop são um pouco o mesmo para mim. Toda a gente gosta de uma grande canção pop. E a folk pode ser alguém a descer a rua e encontrar outro alguém que toca um acordeão a cantar.

Neste segundo disco parece encarar os arranjos como um encenador de teatro... 
Este gosto pelos arranjos talvez decorra de algum envolvimento meu com o mundo da clássica. Sou obcecado por arranjos excitantes. Nunca me basta trazer cordas para um arranjo. Tem de haver partes excitantes, dinâmicas, inventivas, como num Steve Reich ou outro compositor contemporâneo. Do som da bateria às cordas, à própria capa do disco, tudo deve ser novo.
(continua amanhã)