quarta-feira, outubro 26, 2011
DocLisboa 2011 (dia 7)
Este texto é uma versão editada de um artigo publicado na edição de 25 de Outubro do DN com o título ‘O grande retrato de uma ilha pequena onde toda a gente conta’. E junta depois uma pequena entrevista a Gonçalo Tocha, o realizador, que serviu também de base ao texto publicado no jornal.
Estamos no espaço mais ocidental do território português e na mais distante (face ao continente) das ilhas dos Açores. São seis quilómetros e meio de comprimento por quatro de largura. 430 habitantes (em números já deste ano). Uma estação de correio, dois bares, uma sociedade filarmónica, um aeródromo. Em 2007 Gonçalo Tocha chegou, à ilha do Corvo já a filmar. Chegou a bordo de um barco, à boleia com um marinheiro suíço. E quase quatro anos depois, apresenta É na Terra, Não É na Lua, um documentário de três horas de duração que, recentemente distinguido em Locarno (com uma menção especial do júri da secção Cineastas do Presente), e que agora é o único título português a concurso para o prémio de Melhor Longa e Média Metragem Internacional na presente edição do DocLisboa.
É um olhar lento e longo. Com o ritmo e o tempo que as coisas certamente ali conhecem, um pouco longe de tudo. Atento aos espaços, às gentes, às palavras, aos olhares. Curioso na vontade de saber, familiar na forma de mostrar. Gonçalo e o técnico de som que o acompanhou chegaram ali como estranhos em terra estranha. Com o tempo sentiram-se a deixar de ser forasteiros. E o que a câmara nos mostra deixa claro que, aos poucos, o filme conseguiu encontrar um olhar conhecedor, vivido no local e tranquilo no dialogar com as suas gentes.
E a sua câmara de facto viu muito. De uma senhora que tece um barrete a outra que faz queijo, do mais idoso da ilha que não quer recordar a pesca da baleia a uma candidata de um partido na oposição que explica as suas razões, da matança do porco ao nascimento de um vitelo, da chegada dos barcos a uma caminhada pelos musgos, pelo velho cone vulcânico acima... Não é um olhar National Geographic nem uma arrumação sistematizada no registo “era uma vez uma ilha”.
É na Terra Não é na Lua mostra antes, e pelo prisma pessoal de quem soube encontrar cumplicidades, um retrato terno, mas sóbrio, de uma ilha pequena cheia de histórias e memórias, mas também de vidas e factos do presente que, muitas vezes, mal se fazem escutar para lá do pequeno cais que as vagas constantemente sovam. Nunca o Corvo esteve aqui tão perto.
Em conversa: Gonçalo Tocha
Aqui fica uma entrevista com o realizador Gonçalo Tocha sobre o filme que está em competição nesta edição do DocLisboa.
Como foi parar ao Corvo?
De barco, à boleia com o marinheiro suíço Jean-Claude. Mas já sabia que ia ao Corvo e ia preparado para começar a filmar.
Quão distante (ou próximo) da realidade era o conhecimento que antes tinha da ilha?
Tinha o desconhecimento de quem nunca lá tinha ido e daí o impulso de descobrir. Apesar de ir aos Açores, a São Miguel, quase todos os anos desde criança, o Corvo era um outro mundo inacessível. Tão pequeno e longínquo quanto mitológico.
Ao chegar começaram logo a filmar, ou foram-se adaptando ao lugar aos poucos?
Cheguei ao Corvo a filmar e sai do Corvo a filmar.
Como reagiram as pessoas à presença da vossa câmara na sua ilha?
Com a desconfiança inicial perante o estranho. Cheguei vindo da nada, sem conhecer ninguém. Só me cabia em papel provar até onde estava capaz de chegar. Para além disso, a ilha tinha sido fustigada, nos últimos tempos, com reportagens da televisão que, de alguma forma, criticavam o seu modo de vida. Como no Corvo o conceito de cinema não existe, levámos por tabela. Mas no final de contas, gostei desta tensão, nada era dado.
Levou tempo a deixar de se sentir um forasteiro?
Com o segundo retorno fiquei menos forasteiro, e com o terceiro fui adoptado. Por vezes já diziam que já fazia parte da família e que já poderia filmar tudo o que quisesse.
O que mais encanta e o que mais assusta num microcosmos tão pequeno como é o Corvo?
O que mais encanta é o sentimento de pertença. Aqui, como a bordo dos navios, toda a gente conta. Possivelmente menos confortável, é a noção circular do espaço, andamos às voltas, sem sair do mesmo espaço. Todas as conchas protegem e limitam.
Como fazia o dia a dia por lá? O que se fazia depois do trabalho?
Nunca houve “depois do trabalho”. Todos os minutos era para o filme, mesmo os petiscos, os jantares, as festas, o copo no café. Estávamos sempre com a câmara e o microfone ligados.
Leu sobre a ilha antes de ir ou foi descobrindo os lugares, histórias e pessoas já na ilha?
Li tudo o que encontrei escrito sobre o Corvo. Passei duas semanas na Biblioteca Pública de Ponta Delgada. São poucos documentos, cabem numa pasta. Tinha uma noção alargada do que teria sido a ilha nos últimos 500 anos, ainda que não se possa saber muito. Sabia que estava a passar por uma transformação económica e social radical. Mas não se sabia bem que transformação seria essa. Quando cheguei à ilha, havia então tudo para descobrir, as pessoas, a natureza, o passado e o presente.
Sente-se o isolamento? E como se ultrapassa esse isolamento?
Nunca senti isolamento, mas também eu vivi o quotidiano do Corvo através duma aventura.
Está a tentar uma estreia em sala para o filme? Como se faz isso sem ter uma distribuidora?
Vou tentar estreia em sala, e talvez até o faça com a uma distribuidora, se houver sintonia.