Soft Cell
“The Art Of falling Apart”
Some Bizzarre
(1983)
Há por vezes uma tendência (perguiçosa, sublinhe-se) para reduzir a história aos chamados acontecimentos mais marcantes. Na música muitas vezes esta ideia afirma-se como uma espécie de sinónimo de redução de toda uma obra aos seus maiores êxitos. A coisa ganha sobretudo expressão naquela forma que as rádios mais dadas aos recuerdos que às novidades têm de “simplificar” a memória de certas discografias através de um número mínimo de canções. E quantas vezes a menores denominadores comuns... Os Sof Cell são um exemplo claro desta forma míope de evocar a história da música popular. E se, na hora de evocar êxitos, ainda vemos por vezes Say Hello Wave Goodbye a afirmar-se, em bicos dos pés, como uma possível alternativa (ou complemento) a Tainted Love, já no campeonato dos álbuns raramente os vemos a ser lembrados senão pelo (notável, de facto) álbum de estreia Non Stop Erotic Cabaret, de 1981. Esse é um álbum central na história da pop dos oitentas, importante espaço de confronto entre uma nova relação com os sintetizadores e heranças que passam pela northern soul e por um modo clássico de entender a canção, num espaço dominado por histórias e gentes de um certo lado errado da noite. Apanhados de surpresa pelo sucesso monumental de Tainted Love, os Soft Cell aceitaram jogar o jogo de uma pop acessível nos episódios seguintes. Até What! e Torch, singles de 1982, deram continuidade a uma ideia semelhante, as luzes e o glamour da pop convivendo com histórias de vidas comuns (Bedsitter), experimentando a dor da despedida (o já citado Say Hello Wave Goodbye), falando da superficialidade da beleza (Youth) ou narrativas de figuras bizarras da noite (Sex Dwarf)... Em 1983, e como que prenunciando um fim que chegaria pouco depois (o álbum This Last Night In Sodom, de 1984 foi editado com a banda já separada), os Soft Cell editam um segundo álbum de originais ao qual chamam The Art Of Falling Apart. Se tematicamente o disco mantém vivo um interesse por histórias de desencantos, do vazio do quotidiano das vidas comuns, de desejo e sexo, musicalmente o disco parte onde o álbum de estreia nos deixara. As electrónicas acolhem a companhia de outros instrumentos (há, por exemplo, um piano em Kitchen Sink Drama), os arranjos são mais elaborados, o clima que cruza as canções é menos luminoso. Se Loving You Hating Me ou Where The Heart Is (tema correctamente escolhido como primeiro single) asseguram uma evidente continuidade face a Non Stop Erotic Cabaret, já canções como Numbers ou Baby Doll anunciam a busca de novas formas (que Almond levaria mais adiante, por essa mesma altura, no segundo álbum do projecto Marc and The Mambas, Torment and Toreros). Menos dotado dos açúcares que fazem muita da pop para multidões, o álbum ficou muito aquém do primeiro no departamento das vendas. Porém, quase 30 anos depois, é um interessante exemplo de como, depois de esforços pioneiros, a pop electrónica tentava inventar novas cenografias.