"Em tempos de escassez económica, há também que redescobrir o valor da cultura e dar prevalência
à dimensão espiritual sobre a dimensão material da vida humana."
Aníbal Cavaco Silva
(discurso de 5 de Outubro de 2011)
Permito-me discordar do Presidente da República quando faz coincidir a cultura como uma dimensão apenas "espiritual". Bem pelo contrário, vejo a vida cultural de qualquer sociedade como uma dimensão cada vez mais material, indissociável das visões (e decisões) políticas que a gerem, impulsionam ou condicionam.
Em todo o caso, é reconfortante verificar que, no seu discurso do feriado de 5 de Outubro, o Presidente da República não se tenha esquecido de convocar a palavra cultura. Desde logo, porque não vemos a generalidade da classe política (governo e oposições) a colocar a questão da identidade cultural do país na sua/nossa lista de prioridades (políticas, justamente). Mas sobretudo porque Portugal tem vivido o progresso das novas sociedades tecnológicas através de um drama que quase ninguém se dispõe a enfrentar. A saber: o triunfo devastador de uma cultura de raiz televisiva, alicerçada num populismo obsceno e numa crescente agressão contra os mais básicos valores humanistas.
A comemoração do 101º aniversário da proclamação da República Portuguesa teria sido uma boa oportunidade para, finalmente, lançar essa temática na paisagem imensa e multifacetada da nossa reflexão política. Porque a questão que se coloca envolve, ainda e sempre, a mesma angústia: como pensar a crise, qualquer crise, sem a pensar como crise cultural?