sábado, setembro 17, 2011

Televisão: que serviço, para que público?

Fazer televisão, por "serviço" ou não, é sempre gerar alguma noção de "público". Ou seja: é preciso pensar o serviço público em todas as suas frentes e componentes – este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Setembro), com o título 'Que serviço para que público?'.

Ainda sob o efeito da avalanche de imagens do dia 11 de Setembro, é inevitável voltarmos a perguntar que vemos quando vemos aquilo que “todos” estamos a ver. Ou ainda: para além das imagens (mas, antes do mais, através delas), como passamos da condição singular de ser espectador para a pertença a um colectivo? No actual contexto português, isso significa, mais do que nunca, relançar a interrogação política, que é também um drama cultural: o que é isso de serviço público?
Mesmo evitando banalizar a complexidade dos temas em jogo, talvez seja útil lembrar uma limitação de muitas reflexões em torno do serviço público. Assim, quase tudo se concentra sempre na ideia de “serviço”, logo naquilo que é suposto dar-se... ao público. Ora, justamente, importa lembrar que não há visão neutra, nem inconsequente, do “público”: o serviço que se estipula decorre, nem que seja por demissão, de alguma visão do público.
Porque, de facto, é preciso voltar a dizer algo de muito simples que, infelizmente, não poucas vezes, os profissionais televisivos tentam sacudir como irrelevante (ou “intelectual”): fazer televisão não é apenas servir o público; é também gerar, na prática, um conceito específico de público pelo que se programa e o modo como se programa.
Citemos um exemplo revelador: os programas de “discussão” em que os espectadores são chamados a exprimir-se por telefone (ou votações via sms). Criados em nome da “democratização” do espaço social, de facto tais espaços evoluíram no sentido de favorecer dois princípios completamente viciados: o de que qualquer pessoa possui um “saber” automático para se pronunciar sobre... qualquer assunto; e o de que é possível “medir” todas as tendências sociais através de amostragens improvisadas e arbitrárias de meia dúzia de cidadãos (literalmente).
E a pergunta que fica é esta: como é que semelhante visão instrumental e demagógica do público pode gerar alguma espécie de... serviço? As vontades envolvidas podem ser muito empenhadas e altruístas, mas a resposta a tal pergunta é muito básica: não pode.