THE SUN, 14 Fev. 1992 |
Como é que o jornalismo televisivo (e não só...) aceitou ser contaminado pelos valores degradados dos tablóides e das notícias sobre os "famosos"? Eis uma questão que François Jost recoloca a pretexto das imagens de Dominique Strauss-Kahn nos media franceses – este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 de Setembro), com o título 'Repórteres ou “paparazzi”'?
Como foi amplamente noticiado, Dominique Strauss-Kahn (DSK) regressou a França, depois de ter sido anulado o processo de acusação de agressão sexual de que foi objecto nos EUA. Escusado será dizer que o episódio em torno do ex-director geral do FMI, até pelas dúvidas que continua a suscitar, vai permanecer como um evento perturbante, cruzando as questões de natureza moral com o funcionamento da justiça, os desígnios da política e, mais do que isso, da geo-política.
Em todo o caso, discutir tal episódio não se esgota na promoção de infinitos debates em que adversários mais ou menos histéricos gritam a certeza com que reconhecem “inocência” ou “culpa” ao protagonista do evento. Importa não reduzir a televisão a palco “natural” de tais confrontos. Que é como quem diz: importa discutir a sua apropriação pelas linguagens televisivas.
DSK |
É o que volta a fazer François Jost, no seu magnífico blog do jornal Le Monde. Desde logo no seu título, o texto em questão ostenta uma pergunta contundente: “Os repórteres são todos paparazzi?”. Analisando o modo como foi noticiado o regresso de DSK a Paris, Jost sublinha o carácter irrisório das imagens de um homem a empurrar o seu carrinho de bagagens no aeroporto... Repetidas vezes sem conta pelos canais franceses, tais imagens não só não sustentam “nenhuma informação” pertinente, como consagram um estilo que vem de outra área: “A imagem obtida ao vivo de uma personalidade no seu automóvel ou no aeroporto tornou-se tão vulgar na imprensa cor-de-rosa que acabámos por acreditar que havia nela alguma informação quando, de facto, nada acrescenta.”
Jost recorda como, corria o ano de 1997, no momento da morte da Princesa Diana, os repórteres se demarcavam dos “paparazzi”, denunciando a sua degradação profissional. Agora, para ele, não há dúvidas: “Todos os repórteres são ‘paparazzi’ e isso não parece colocar problemas a ninguém.”
Escusado será dizer que já nada disto tem a ver com a biografia, complexa ou enigmática, de DSK. Tem a ver, isso sim, com a decomposição ética do espaço televisivo.