sexta-feira, setembro 09, 2011

Mês Björk (9):
Ao lado do Brodsky Quartet


Este texto foi originalmente publicado na edição de 29 de Julho de 2005 do suplemento DNmais, com o título 'Da Escola para o disco'. Na ocasião apresentava-se, com uma conversa com Jacqueline Thomas, um disco do Brodsky Quartet onde colaboravam Björk e Elvis Costello. 

A história recente de colaborações com, entre outros, Elvis Costello e Björk fez do Brodsky Quartet um caso notável de comunicação entre os universos da pop e da música clássica. "Sentimo-nos em casa em qualquer música. Desde que seja boa música, claro", defende Jacqueline Thomas, violoncelista do Brodsky Quartet.

E, ao contrário do que possa parecer, aos músicos do quarteto não lhes é difícil alternar projectos mais pop com outros nas áreas da música erudita. "É mais difícil, para um músico, alternar actuações em quarteto e numa orquestra. Porque numa ouve-se a si mesmo, e na outra tem de se diluir numa multidão. Esta maleabilidade de repertórios com que trabalhamos não nos perturba em nada. Temos raízes firmadas no repertório clássico. Tocamos muitos quartetos de referência, mas tentamos programar o que fazemos de uma forma interessante, de modo a que possamos cruzar peças românticas com outras contemporâneas. Tentamos mudar, até porque o quarteto de cordas é um formato muito típico e está um pouco exausto, não pelas peças em si, mas pelas que os programadores costumam escolher para ser tocadas", explica.



O quarteto, hoje com vasta e versátil carteira de peças em mão, não se sente forçado a mudar de pele caso opte por abordar peças de áreas diferentes. "Não tocamos de modos diferentes. Se tocamos uma canção do Elvis Costello, por exemplo, fazemo-lo usando o nosso estilo. Tocamos com tanta atenção pelo pormenor como quando tocamos um quarteto de Beethoven". Jaqueline sublinha, contudo, que muita da escrita para cordas no mundo da pop é "desinteressante", e descreve-a como feita apenas por semibreves. "É aborrecido para quem toca essa música. E muitos músicos, ao trabalhar a pop, não o fazem com o mesmo empenho e cuidado que quando tocam música clássica. Para nós isso não faz sentido. Se vamos colaborar com pessoas de outros universos musicais, devemos levar o melhor do nosso mundo a esse trabalho. Não devemos tentar mudar o que fazemos para ser iguais aos outros com quem trabalhamos. Por exemplo, nunca tentaríamos soar a Jimi Hendrix. Tocamos à nossa maneira clássica, e isso costuma resultar. E as pessoas desses outros universos costumam gostar do tipo de complexidade e de largura de espectro que nós propomos dentro do formato de quarteto de cordas".

Jacqueline pensa que, para trabalhar com músicos de escola clássica, os músicos de pop devem ser tão "flexíveis" quanto os elementos do quarteto, "se não ainda mais". E refere que em ambos se sente uma certa "pressão da imagem". Com Elvis Costello ambos os lados tomaram "riscos ao assumir passos em direcções que os respectivos públicos poderiam não apreciar". Há vontade em experimentar e flexibilidade em muitos músicos pop, reconhece. "Mas Björk é especial, até porque tem escola clássica. Afinou-se pela nossa maneira de pensar, conhece os nossos termos técnicos, está em fase connosco. E, agora, o mesmo acontece já com o Elvis", descreve. E acrescenta depois que admira também o trabalho de Neil Hannon nos Divine Comedy: "Já os encontrámos em festivais, e quase estivemos para colaborar neste disco de canções, mas não foi possível".

Além de pontuais colaborações pop, nos últimos cinco anos o quarteto tem trabalhado, aos poucos, a integral dos quartetos de Beethoven, trabalho que deverá estar na base da sua próxima gravação, na qual pensam registar os quartetos números dois e três. Ao mesmo tempo deverão também editar um disco ao vivo, com uma gravação, em Barcelona, de quartetos de Janacék. Nestes últimos três anos, o quarteto embarcou ainda num projecto educacional por diversas escolas britânicas, do qual nasceu Moodswings, o novo disco. O álbum inclui, além dos frutos dessa experiência, uma série de colaborações com vozes como as de Björk , Elvis Costello, Sting, Ron Sexsmith ou Meredith Monk. "O disco nasceu basicamente deste programa educacional. Passámos uma semana em seis escolas, com cerca de 40 crianças em cada uma. E durante a semana de trabalho conjunto, as crianças não iam às outras aulas. Tínhamos connosco compositores, cenógrafos, letristas. E a ideia era a de, ao fim de cada semana, as crianças terem escrito uma canção para quarteto de cordas e voz". Para alguns desses jovens músicos a ideia de trabalhar com um quarteto de cordas foi uma novidade absoluta. Nem sabiam que tal coisa existia. Mas regras eram regras, e não podiam usar sequer percussão. "Tinham de pensar como sugerir o ritmo através de um quarteto de cordas", explica a violoncelista. "Depois regressámos a cada escola para apresentar as canções já terminadas. E acabámos com cerca de 100 canções! Mas escolhemos uma de cada escola para gravar no disco".



Ao mesmo tempo, o quarteto fez uma digressão para o Contemporary Music Network, na qual incluiram canções desse projecto educacional e temas de alguns autores pop. "Ao gravar o disco juntámos esse trabalho escolar com a experiência destes cantautores, mostrando maneiras diferentes de trabalhar. É verdade que também pensámos que ao juntarmos as canções destes nomes ajudaríamos a vender um disco com temas criados por crianças. E um disco só com canções compostas pelas crianças seria apenas uma experiência educacional". Algumas das canções destes convidados pop fogem à discografia central das respectivas obras e contam com arranjos especiais para o Brodsky Quartet, Björk revisitada numa versão de I've Seen It All (de Dancer In The Dark), Elvis Costello e Sting igualmente citados em aventuras cinematográficas, o primeiro numa canção construída da música de fundo de Big Lebowski até hoje nunca gravada, o segundo num tema de Kate & Leopold. Um lote interessante, mas musical e discograficamente aquém de outras aventuras já registadas pelo quarteto.

Além do disco, esta experiência educacional do Brodsky Quartet permitiu aos músicos reflectir sobre o ensino da música e forma como os jovens ouvintes são muitas vezes seduzidos pela facilidade das canções apontadas a si como alvo da indústria do entretenimento. "O ensino tem muita responsabilidade na educação musical das pessoas", sublinha Jacqueline. "Nos meus dias, a música que se ouvia na escola era clássica. Hoje, na secundária, pelo menos em Inglaterra, os miúdos podem aprender clássica, ter a sua banda, experimentar jazz, o que quiserem. Isso é muito positivo, e nota-se que há um interesse pela música. Mas nem todos estão expostos a estas realidades. E a rádio e a televisão dão uma ideia limitada da música que existe. A clássica, então, está limitada aos canais de cabo... A menos que as crianças optem por estudar música nas escolas, não são expostas a outros tipos de música".