Amor Estúpido e Louco é uma grande comédia sobre o que está para além da tradicional "guerra dos sexos" – este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Setembro), com o título 'A nova comédia dos sexos'.
A imagem que ilustra esta crónica corresponde a um dos momentos mais insólitos, e também mais subtis, daquela que ficará, por certo, como uma das melhores comédias americanas deste ano: Amor Estúpido e Louco, da dupla Glenn Ficarra/John Recqua. De pé, Jacob (Ryan Gosling) vai dissertando sobre a sua “especialidade”, isto é, a conquista de mulheres e mais mulheres: ele é um implacável predador que, a par do progresso da sua contabilidade sexual, se mostra empenhado em transmitir o seu saber, “colorindo” a vida do angustiado Cal (Steve Carrell), à beira de um divórcio mais ou menos doloroso. Estão a conversar depois de uma sessão de exercício físico e Cal, perante a nudez de Jacob, pergunta-lhe se ele tem de estar mesmo naquela pose...
Há, aqui, um inteligente entendimento das nuances que uma imagem pode envolver. Por um lado, somos confrontados com a perplexa candura de Cal, tentando contrariar a eventual confusão entre a cumplicidade que entre eles está a nascer e qualquer outro género de intimidade (inequivocamente sexual); por outro lado, o ponto de vista da câmara decorre de uma forma de ambíguo pudor: nada é explícito, mas vemos a situação como se essa intimidade estivesse, de facto, à beira de ser explicitada.
É esse, afinal, o singular poder do registo cómico tal como praticado por Ficarra/Recqua, aliás prolongando a lógica do seu trabalho anterior, o magnífico Eu Amo-te Philip Morris (2009), com Jim Carrey e Ewan McGregor interpretando um par homossexual. Para estes cineastas, a dimensão sexual de cada comportamento remete sempre para outra “coisa” que fica por dizer ou que, em boa verdade, ninguém sabe como dizer. Eles filmam menos a tradicional “guerra dos sexos” e mais um estado de incerteza (cómica, justamente) em que a acção de cada um reflecte as ambivalências de qualquer identidade sexual, desde as meramente geracionais até às misteriosamente simbólicas.
Daí que este não seja um filme sobre a sexualidade enquanto factor... sexual. Ficarra/Recqua recusam liminarmente a violência moral de telenovelas, reality TV e seus derivados: a sexualidade não é uma espécie de adorno “pitoresco” ou “escandaloso” de cada personagem, mas sim um elemento fulcral do seu ser e do seu estar. Daí também um paradoxal efeito de distanciação, afinal genuinamente freudiano: a sexualidade está em tudo, mas não esgota a totalidade de cada ser.
É um excelente filme para lidarmos com a saturação “sexual” dos nossos dias. Num tempo tão carregado de mensagens “erotizadas”, desde a publicidade até ao patético imaginário jornalístico que envolve os “famosos”, esta é uma atitude que, para além da visão critica de usos e costumes, decorre da precisão muito política de quem não abdica de pensar a paisagem plural das relações humanas. Não há nada mais sério do que uma boa comédia.