A percepção da vida económico/financeira dos filmes é, muitas vezes, reduzida a uma contabilidade simplista. Em jogo estão, em última instância, os valores da própria informação que se pratica – este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Setembro), com o título ‘Como avaliar os milhões dos filmes?’.
Se olharmos para o actual panorama das bilheteiras de cinema nos EUA, verificamos que, na linha da frente, está Contagion, o novo filme de Steven Soderbergh que se anuncia como um angustiado retrato sobre uma epidemia planetária (tem estreia portuguesa marcada para 13 de Outubro). Em segundo lugar no top de receitas da última semana surge The Help, de Tate Taylor, sobre as relações sociais entre brancos e negros na América do começo dos anos 60 (6 de Outubro em Portugal).
Para além das complexas temáticas que ambos os filmes convocam, são exemplos de uma produção exterior à inflação orçamental que tem marcado os espectáculos ditos de “efeitos especiais”, dominantes no mercado de Verão. Contagion e The Help custaram, respectivamente, 60 e 25 milhões de dólares, valores vulgares no interior da produção dos grandes estúdios. E isto, convém acrescentar, envolvendo elencos recheados de grandes nomes, de Matt Damon e Gwyneth Paltrow, no primeiro filme, a Viola Davis e Sissy Spacek, no segundo.
Daí a pergunta: porque é que as manchetes jornalísticas e televisivas raras vezes dão atenção a acontecimentos deste género? Não estou a falar, entenda-se, das “qualidades” de cada filme. Mesmo que sejam “péssimos”, a questão permanece: porque é que há toda uma lógica jornalística que só dá atenção aos títulos cuja produção envolveu algumas centenas de milhões?
Acontece que, mesmo num plano estritamente financeiro, a vida da indústria cinematográfica é um pouco menos linear do que o banal inventário do box-office... Veja-se o caso de Capitão América. Custou 140 milhões a produzir e rendeu nos primeiros três meses de exibição cerca de 180 milhões: é um quase falhanço (tanto mais que, para além da percentagem que fica nos exibidores, este tipo de produtos envolve campanhas promocionais que duplicam o preço da rodagem). E que dizer de The Help, com 140 milhões de receita? Pois bem, conseguiu esse valor em apenas um mês e custou... 25 milhões!
Reflectem-se, aqui, dois factores a ter em conta. Desde logo, esse persistente trabalho de ignorância de uma (des)informação que confunde a vida económica dos filmes com uma espécie de oposição mecânica entre milhões e tostões. Depois, uma estratégia de reconversão da própria máquina de Hollywood, tentando recuperar temas e estilos que convoquem os espectadores para além do infantilismo dos “super-heróis” (nos EUA, os menores de 13 anos só podem assistir a qualquer um dos filmes em causa quando acompanhados por um adulto).
A questão de fundo não envolve nenhuma resistência em relação aos filmes que visam os mais novos (estamos todos ansiosos por descobrir “Tintin” e “Hugo”, dirigidos por Steven Spielberg e Martin Scorsese, respectivamente). Envolve, isso sim, a necessidade de, globalmente, o espaço mediático não tratar o cinema como se fosse uma mera feira de números com muitos ou poucos zeros.