Courtesy of the Prints and Photographs Division. Library of Congress |
Lembro-me da cicatriz que o chão ainda mostrava quando ali regressei pela primeira vez depois do dia que tinha levado o mundo a olhar para as duas torres que moravam quase no topo sul de Manhattan. Era um enorme buraco, paredes tapadas a betão, rampas do chão até lá mais abaixo. Em volta um gradeamento, com a história daquele dia contada entre palavras e imagens. Para não esquecer.
Lembro-me também de, anos antes, ter subido ao observatório no 107º andar de uma das duas torres. Sem sequer imaginar que um dia aquele lugar mais alto da cidade seria apenas memória. Lembro-me até de ter bebido uma bebida, daquelas em lata, glub, glub, glub, a matar a sede a contra-relógio antes de entrar para o elevador para descer à superfície. E de ter sentido um mal estar no estômago após a rápida viagem de mais de 100 andares... A inércia, o conceito que se ensina nas aulas de física e parece coisa abstracta, tinha ali uma demonstração bem real... E, além das fotografias, dos olhares lançados à distância, é a única memória que guardo dessa única vez que subi as Torres Gémeas...
2001...
Era hora de almoço. Bom, num jornal diário as “horas” de almoço variam consoante os hábitos (e o trabalho). Era por isso hora de almoço para muitos, mas na redacção do DN ainda se fechava a manhã, preparando a tarde de trabalho. Alguém chama atenção para um dos vários ecrãs de televisão espalhados pela sala. Que acidente mais impossível de imaginar... Como é que um avião vai embater com um prédio? Sobretudo com o rio ali ao lado... A verdade é que, incrédulos, olhávamos para as torres do World Trade Center... E é nesse momento que lembro as primeiras palavras a falar de terrorismo. Ao meu lado o Eurico [de Barros] dizia “isto não foi um acidente”... O segundo avião que, em directo, vimos pouco tempo depois a embater na outra torre deu-lhe imediata razão.
Mal se almoçou... Vivemos o dia colado aos ecrãs, o jornal inteiro deu uma reviravolta, houve sites que reduziram a existência a uma home page onde nada mais se informava senão as últimas notícias de Nova Iorque, de um terceiro avião que caíra em Washington, mais um quarto que se despenhara na Pensilvânia... Mal houve tempo para fazer silêncio e pensar. Na verdade só dei por mim, já sem a necessidade de olhar para o relógio na manhã seguinte, o jornal já impresso nas mãos. E, na primeira página uma única palavra: “guerra”.
Fotos N.G. |
Este ano voltei ao “ground zero”. Onde havia apenas um vazio no chão agora vemos algo novo a nascer. Há edifícios a crescer, alguns já com valentes andares acima do chão... A história do que aconteceu há dez anos não se conta mais em volta da obra, mas num espaço ali em volta. Ainda há quem pare para olhar. Mas, e tal como uma ferida, a cidade recuperou. Não esqueceu. Mas refez-se. E vive de novo.