quarta-feira, agosto 24, 2011

Três memórias de Raúl Ruiz (3)


Em Genealogias de um Crime (1997), Catherine Deneuve interpreta Solange, uma advogada empenhada em defender René (Melvil Poupaud), jovem acusado de ter morto a sua tia Jeanne, psicanalista que o sujeitou a uma existência de sistemática crueldade e repressão... Há um inevitável elemento melodramático: Solange acredita intensamente na inocência de René. Mas há também uma peculiar transferência emocional: é no funeral do seu filho que Solange conhece René. Tudo isto com um detalhe nada indiferente: para interpretar Jeanne, em flashbacks mais ou menos surreais, Raúl Ruiz escolheu... Catherine Deneuve!
Tanto basta para falarmos da velha e perversa arte dos jogos de espelhos — entre as personagens e destas com o espectador. Afinal, a verdade de uma personagem nasce da sua inscrição numa ficção mais ou menos legível, ou antes do modo como essa inscrição baralha as condições da própria legibilidade do mundo a que a ficção se refere?
Digamos que podemos pensar na "transparência" das telenovelas e seus agressivos derivados. E concluir que Ruiz foi, até ao fim, um leal inimigo das suas imposturas.