Em Genealogias de um Crime (1997), Catherine Deneuve interpreta Solange, uma advogada empenhada em defender René (Melvil Poupaud), jovem acusado de ter morto a sua tia Jeanne, psicanalista que o sujeitou a uma existência de sistemática crueldade e repressão... Há um inevitável elemento melodramático: Solange acredita intensamente na inocência de René. Mas há também uma peculiar transferência emocional: é no funeral do seu filho que Solange conhece René. Tudo isto com um detalhe nada indiferente: para interpretar Jeanne, em flashbacks mais ou menos surreais, Raúl Ruiz escolheu... Catherine Deneuve!
Tanto basta para falarmos da velha e perversa arte dos jogos de espelhos — entre as personagens e destas com o espectador. Afinal, a verdade de uma personagem nasce da sua inscrição numa ficção mais ou menos legível, ou antes do modo como essa inscrição baralha as condições da própria legibilidade do mundo a que a ficção se refere?
Digamos que podemos pensar na "transparência" das telenovelas e seus agressivos derivados. E concluir que Ruiz foi, até ao fim, um leal inimigo das suas imposturas.