1983, A Cidade dos Piratas |
Cineasta da deriva fantástica das ficções, Raúl Ruiz foi também, obsessivamente, um observador metódico das ambivalências de qualquer imagem. Se há uma cultura anti-televisiva — empenhada em combater a transparência "automática" com que a televisão todos os dias nos mente —, então o cineasta chileno, mesmo nos momentos artisticamente mais frágeis, foi um dos seus mais obstinados militantes.
Este fotograma de A Cidade dos Piratas é disso um esclarecedor exemplo. Que é como quem diz: um espaço cénico que se exibe na sua assumida teatralidade, discutindo, in loco, as coordenadas correntes do olhar, da figuração, do campo visual e da sua profundidade.
Passa por aqui uma questão central de muito cinema moderno (sendo a obra de Straub/Huillet um dos seus pólos decisivos): a ilusão fotográfica do cinema (e da fotografia, hélas!) envolve a angústia de uma perda irreparável, como se nunca fosse possível chegar a uma imagem que, de facto, apazigue a nossa sede de real. Ruiz filmou sempre isso com um desconcertante humor.