Porquê e para quê os filmes que passam na televisão com bolinha no ecrã?... Não temos direito a ser adultos?... Nem mesmo à meia-noite?... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Agosto), com o título 'Apocalipse com bolinha'.
A começar à meia-noite, no canal Hollywood, redescubro Apocalypse Now Redux, a esplendorosa versão longa (mais 49 minutos) lançada por Francis Ford Coppola, em 2001, 22 anos passados sobre a data de estreia do original. O reencontro é tanto mais gratificante quanto a cópia apresentada possui uma qualidade imaculada, respeitando as delicadas nuances da fotografia de Vittorio Storaro.
E, no entanto, não consigo abstrair-me de um detalhe, não apenas visualmente incómodo, mas também, a meu ver, totalmente absurdo. Falo de quê? Da sacrossanta bolinha vermelha que, no canto superior direito do ecrã, nos recorda que se trata de um filme classificado para audiências adultas...
Bem sei que há todo um enquadramento legal que impõe o recurso a tal sinal. Aliás, a sua utilização decorre de um bem intencionado princípio pedagógico: trata-se de manter o consumidor informado e, mais do que isso, de favorecer escolhas responsáveis por parte desse mesmo consumidor. Mas o problema não é de natureza legal. É, como agora se diz a propósito de tudo e de nada: estruturante.
De facto, vivemos num espaço televisivo todos os dias marcado pelo moralismo medíocre das telenovelas, pela demagogia cultural de muitos concursos, enfim, por uma vaga de publicidade que pinta quase toda a gente (a começar pelos mais jovens) como tarados sexuais... E, no entanto, tudo isso passa como coisa “natural”. Que defendo, então? Mais bolinhas vermelhas a enxamear os nossos ecrãs? Nada disso. Apenas um pouco mais de crença na inteligência dos espectadores. E, sobretudo, um pouco menos de hipocrisia.