Que dizer quando já não sabemos o que dizer? Amy Winehouse faleceu no dia 23 de Julho de 2011, contava 27 anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Julho), com o título 'Uma questão de alma'.
Quanto tempo teremos de esperar para que se dissipe a agitação mediática em torno das atribulações de Amy Winehouse (as drogas, os concertos falhados, etc.) e se fale um pouco, apenas um pouco, da sua condição artística? Será que, na sua obscenidade sem nome, a violência da morte conseguirá que a sua música faça, algures, uma manchete?
Amy foi (ou é) uma das mais espantosas cantoras reveladas no século XXI: para mim, em todo o caso, a mais genial de todas (sem ofensa, Norah Jones...). Apenas dois álbuns de estúdio, Frank (2003) e Back to Black (2006), bastaram para transfigurar a herança dramática de Sarah Vaughan, seu modelo obsessivo dos tempos da adolescência, numa energia criativa que mantinha, hélas!, uma metódica proximidade poética com a certeza inequívoca da morte. Como Edith Piaf, Judy Garland ou Amália Rodrigues, Amy transformava cada canção num acontecimento único, radical, em que pressentíamos sempre o calor de uma desencantada ironia autobiográfica. Víamos-lhe a alma.