1. A história recente do fado está recheada de elementos anti-fado. De facto, as premissas, a estética e os estilos da canção nacional dão-se mal com as derivações instrumentais que a têm abalado, desde a injecção caótica de pretensiosas sonoridades (a ponto de o contrabaixo esmagar a marca específica das guitarras) até à contaminação de uma atitude banalmente folclórica (que encara as heranças do folclore como "coisa" pitoresca ao serviço de um humor dito juvenil).
2. Neste contexto de crescente perda de identidade fadista (e do fado), Leva-me aos Fados, o quarto álbum de Ana Moura, lançado há quase dois anos, adquiriu um decisivo peso simbólico: há nele uma energia de resistência que contraria a dissolução do fado em "modernismos" que lhe são estranhos, quanto mais não seja porque, em boa verdade, apenas têm gerado divagações sem identidade estética consistente.
3. Produzido por Jorge Fernando, com coprodução de Custódio Castelo e Fernando Nunes, Leva-me aos Fados consagra uma voz de admirável dramatismo interior e rara intensidade expressiva. E tanto mais quanto o envolvimento sonoro não cede a experimentalismos gratuitos que ameaçam dissolver o fado na zona mais asséptica desse pesadelo de indexação que dá pelo nome de World Music. Com Ana Moura, fado é fado — a redundância simplifica, mas fala verdade.
>>> Teledisco de Caso Arrumado (Manuela de Freitas / Pedro Rodrigues).
>>> Ana Moura: site oficial + MySpace.