PAUL KLEE Labirinto Destruído, 1939 |
I. A saída de José Sócrates do governo teve um efeito social profilático que importa saudar: deixámos de ouvir uma parte significativa da população (e também dos meios de comunicação) atolada — e, não poucas vezes, com genuína convicção — num patético teorema de "culpas & redenção". A saber: 1 - o país está mal; 2 - Sócrates é a origem do mal; 3 - sem Sócrates tudo mudará.
II. Afinal, de que falamos quando falamos de José Sócrates? Como é possível que aquela ideologia ad hominem tenha triunfado como uma espécie de explicação mágica de todos os nossos problemas? A simples formulação de tais perguntas toca num domínio incómodo que poucos (políticos e jornalistas) querem pensar. A saber: o poder imenso de uma cultura mediática dominada pelos valores do conflito, do alarmismo e do apocalipse quotidiano.
III. Em todo o caso, há que reconhecer que, no seu simplismo, aquele teorema possui alguma triste pertinência. Que é como quem diz: foi preciso José Sócrates sair de cena para alguns discursos da comunicação social (?) nos informarem que, afinal, há mesmo uma crise europeia e mundial. Mais do que isso: que não saberemos pensar os nossos problemas sem pensar a nossa inserção nessa crise. Resta saber porque é que a presença — e a simples imagem — de José Sócrates impedia tanta gente de usar a sua inteligência.