sábado, junho 25, 2011

André Villas-Boas e a "pureza" televisiva


Afinal, segundo o ambiente televisivo dominante, André Villas-Boas não passa de um português que cedeu à tentação do dinheiro... Este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 de Junho), com o título 'O caso Villas-Boas'.

Não desesperemos. Já sabemos que temos a crise, vivemos a crise, alimentamo-nos televisivamente da crise... Em todo o caso, sabemos também que a preservação dos bons costumes não está ameaçada. De tal modo que um vento purificador veio apaziguar as nossas angústias face à transferência do treinador do F.C. Porto, André Villas-Boas, para o Chelsea.
O assunto era sério, convenhamos: ao investir 15 milhões de euros para garantir a contratação de Villas-Boas, Roman Abramovich, proprietário do Chelsea, merecia a nossa piedade. Mais do que isso: era importante garantir que a culpa (regra nº 1: “não há televisão sem culpados”) estava, obviamente, do lado de Villas-Boas. A pergunta pairou, urgente, por certo ainda mais perturbante que qualquer dificuldade antecipada para o Governo de Passos Coelho: como é que tão simpático rapaz tinha cedido a tão pecaminoso empreendimento? Fica, em todo o caso, uma curiosa questão simbólica: na nossa cultura de quotidiana exaltação de muitas formas pueris de estupidez, quando é que alguém tem direito a ser liberto do rótulo de “juvenil”? Ficamos a saber que, pelo menos no caso de Villas-Boas, 33 anos não bastam, nem mesmo com uma Liga Europa no curriculum.
Descobri-me, por isso, desorientado. Depois de tantos de discursos de exaltação da excelência que ainda distingue alguns de nós, depois de continuados elogios ao brilhantismo dos portugueses que triunfam lá fora (desde que não sejam cineastas...), para alguns Villas-Boas apenas cedeu à tentação do dinheiro. Calculo que venha aí uma vaga de épica liofilização moral de que todos vamos beneficiar. Acredito mesmo que este jornalismo dos “puros” e dos “impuros” já tenha na sua agenda o próprio espaço jornalístico e, em particular, as transferências de profissionais entre diferentes canais de televisão.
Em boa verdade, confesso, nada disso me desperta especial interesse. O meu drama actual é muito mais fundo. Assim, vendo-me compelido a retomar a condição de adepto do Chelsea, antecipo alguns conflitos de interesse com a minha renovada militância pelo Real Madrid. Não sei bem o que fazer, mas estou a pensar seriamente em pedir a minha transferência para o Besiktas.