sábado, maio 21, 2011
Para lá do cinema
Este texto foi originalmente publicado na edição de 14 de Maio do DN Gente com o título 'Quando o cinema descobre uma voz'
O pianista Benardetto Lupo, que é um dos protagonistas de um disco dedicado à música de Nino Rota editado em 2005 pela Harmonia Mundi, explica a dada altura, numa entrevista que podemos ler no booklet, que o compositor era capaz de encontrar uma simbiose perfeita entre os realizadores com quem trabalha. De resto recorda como muitas vezes se refere uma "marcha felliniana" quando, na verdade, todos sabemos que é da música de Nino Rota que se trata. É, pois, verdade que, através do cinema de Fellini, de Visconti, n'O Padrinho de Coppola e em obras de outros cineastas para quem compôs, a música de Nino Rota ganhou imagens e, portanto, uma ideia de corpo. Mas a sua música foi para lá do cinema. Chegou às salas de concertos, aos palcos de ópera, revelando através da sua obra uma personalidade que, nos últimos anos, começou a ser reconhecida mais transversalmente, sobretudo na sequência de importantes edições discográficas em catálogos como os da Harmonia Mundi ou Chandos...
É, contudo, impossível evocar Nino Rota sem passar pelo cinema (e pela sua forma de o viver). E era mesmo Frederico Fellini quem dizia que tudo mudava quando Nino Rota chegava. O stress desaparecia e o filme encontrava um outro clima e começava uma vida nova. Cruzaram-se pela primeira vez em 1952 quando Fellini o convocou para compor a música para O Sheik Branco. Colaboraram vezes sem conta, a música de Rota ganhando mesmo o carácter de força icónica em títulos históricos como La Strada, (1954), La Dolce Vita (1960), 8 1/2 (1962), Satyricon (1969) ou Amarcord (1973), entre os dois a história do cinema conhecendo um dos mais coesos pares realizador/compositor como os que hoje conhecemos entre Spielberg e John Williams ou Tim Burton com Danny Elfman.
Nino Rinaldi (o seu verdadeiro nome) nasceu em Milão, em Dezembro de 1911, filho e neto de pianistas notáveis no seu tempo. Começou a estudar música aos oito anos de idade e não muito depois compunha a sua primeira obra: L'Infanzia di San Giovanni Battista, um oratório para solistas, coro e orquestra que conheceria estreia pública em 1923. Continuou os estudos de música em Roma, diplomando- -se em 1929, ganhando um primeiro prémio de composição no ano seguinte. Na verdade, não terminou aqui a sua formação, acrescentando a estes outros cursos e classes, acabando ele mesmo a dar aulas sobre teoria musical, harmonia e, mais tarde, composição, ocupando durante cerca de 30 anos o lugar de director do Conservatório de Bari.
A sua vida conheceu contudo uma revelação em 1933, tinha apenas 23 anos. Foi então que assinou a música para o filme Treno Popolare, de Rafaello Matarazzo, o primeiro dos trabalhos para o grande ecrã, descobrindo aí o espaço preferencial de uma obra extensa que deixaria vasto legado, o último dos títulos para o qual deu a sua música sendo o clássico Ensaio de Orquestra, de Fellini (1978).
Mas há mais que cinema na obra de Nino Rota. E os palcos da ópera foram um dos destinos preferenciais. A primeira, Il Principe Porcaro, com base num texto de Hans Christian Andersen, data de 1925. Seguindo-se outras mais tarde, entre as quais contamos Ariodante (de 1942), Torquemada (1943) ou O Chapéu de Palha de Itália (de 1945, precisamente a ópera que o Teatro São Carlos tem apresentado nos últimos dias).