Jornal "República", 26 de Abril de 1974 (em baixo: cartaz de Vieira da Silva) |
Afinal de contas, na paisagem televisiva, qual o saldo das "comemorações"? De que falam as televisões quando falam do 25 de Abril? E porque falam tanto... e dizem tão pouco? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 de Abril).
1. Esperei com alguma ansiedade que, no dia 25 de Abril, algum político se referisse à necessidade (politica, hélas!) de pensar o que somos, e o que queremos ser, sem esquecer o poder imenso que as linguagens televisivas adquiriram na nossa sociedade... Silêncio. Nada. Zero. Consideram, talvez, que um país audiovisual dominado por telenovelas, incluindo as “jornalísticas”, é o paraíso cultural prometido pelo 25 de Abril.
2. Através da sistemática desvalorização de qualquer memória, as televisões gastaram 34 anos (a primeira telenovela começou a ser emitida em 1977) a criar um espaço de valores narrativos cuja futilidade acabou por contaminar tudo e todos. Hoje em dia, qualquer gritaria à frente de uma manifestação é promovida como “fenómeno sociológico”. Aliás, a regra é: qualquer gritaria, nem que seja uma dúzia de arruaceiros à porta de um estádio de futebol, deve existir como facto incontornável do nosso quotidiano.
Podem fazer-se muitos e esforçados programas “sérios” para “explicar”, “ensinar” e “divulgar” o 25 de Abril... Em boa verdade, não passam de exercícios de desculpabilização, desesperadamente empenhados em emprestar à televisão a consciência social que ela, globalmente, deixou de querer ter. Na prática, qualquer espessura histórica do 25 de Abril vai-se desvanecendo em festivas caricaturas que, entre outras coisas, reduzem a minha geração (os que foram adolescentes nos anos 60/70) a uma galeria de patetas alegres. Já nem se supõe que estávamos vivos antes do 25 de Abril. Raiva? Amor? Sofrimento? Alegria? Sim, alegria?... Antes, ninguém sentiu nada. Fomos todos umas marionetas que, agora, enfim, podem ser redimidas pela “libertação” das redes sociais.
Dramaticamente, esta estupidez generalizada decorre, em grande parte, do falhanço simbólico da mesma geração (a minha, entenda-se). Fico, por isso, contente que o 25 de Abril esteja a agonizar entre festejos “populares”, reportagens “objectivas” e estudos “televisivos”. Talvez se comece, finalmente, a falar de outra coisa. De quê? Sugiro: a televisão que temos.