Tournée/Em Digressão, protagonizado e dirigido por Mathieu Amalric, chega agora às salas portuguesas — texto + entrevista (realizada no Festival do Estoril/2010) publicados no Diário de Notícias (20 de Abril).
Discretamente, apoiado numa versatilidade paradoxalmente sóbria, Mathieu Amalric transformou-se num dos actores mais premiados, e também mais internacionais, da actual produção francesa. Por um lado, conhecemo-lo como presença fetiche do universo de Arnaud Desplechin, por exemplo nos dramas intimistas Comment Je Me Suis Disputée, Ma Vie Sexuelle (1996), Reis e Rainha (2004) e Um Conto de Natal (2008); aliás, com os dois primeiros desses filmes ganhou dois Césares do cinema francês, respectivamente para melhor esperança masculina e melhor actor (receberia ainda um terceiro, em 2008, de novo para melhor actor, com O Escafandro e a Borboleta, de Julian Schnabel). Por outro lado, já o vimos dirigido por Steven Spielberg, em Munique (2005), ou a assumir os traços do “mau da fita” numa aventura de James Bond, 007 – Quantum of Solace (2008).
A realização constitui uma ilustração suplementar da diversidade do seu talento. O seu quarto título como realizador, Em Digressão, aposta em abordar um universo tão exótico quanto é o “New Burlesque”, um modelo de espectáculo de palco em que humor e nostalgia se envolvem numa teia de números que vão desde o drama à comédia, passando pela música e pelo striptease.
O filme tem qualquer coisa de documental, quanto mais não seja porque as principais intérpretes são verdadeiras figuras emblemáticas do “New Burlesque”. Distinguem-se pela exuberância com que fazem a caricatura da sua própria juventude (perdida) e também pelo barroquismo dos seus nomes artísticos: Mimi le Meaux, Kitty on the Keys ou Dirty Martini.
Por circunstâncias algo acidentais (ver entrevista), Amalric acabou por interpretar o principal papel masculino: ele é Joachim Zand, o empresário da troupe do “New Burlesque”, figura paradoxal que oscila entre as alegrias do espectáculo e o desencanto melancólico de quem persegue a utopia de um lugar para se fixar, pondo fim à deambulação que o título português refere (título original: Tournée). Nessa perspectiva, pode dizer-se que Em Digressão é também uma viagem pelos cenários (salas de teatro, hotéis, etc.) de uma existência “pela estrada fora”, afinal ameaçada pelo triunfo de novas formas de espectáculo e outros modelos de consumo.
Apresentado na secção competitiva do Festival de Cannes de 2010, Em Digressão trouxe a Amalric uma nova projecção internacional, já que lhe valeu o prémio de melhor realização. Entre os vários projectos em que se encontra actualmente envolvido incluem-se os novos filmes de Alain Resnais (Vous N’Avez Encore Rien Vu) e David Cronenberg (Cosmopolis), ambos com lançamento agendado para 2012.