Este texto surgiu na edição de 19 de Março do DN Gente.
Enaihatollah tinha dez anos quando ouviu as últimas palavras que a sua mãe lhe deixou antes de o entregar ao seu caminho. Disse-lhe para nunca consumir drogas, nunca usar armas e não roubar... No dia seguinte, o jovem afegão estava só, abandonado num campo de refugiados no Paquistão. É desse momento que parte o relato que o italiano Fabio Geda (que escreve no La Stampa sobre educação) nos propõe tendo por base a história de vida real de Enaiatollah Akbari que, nascido no Afeganistão, cruzou rotas e destinos até chegar a Itália. É esta a narrativa que corre entre as linhas das 176 páginas de No Mar Há Crocodilos (ed. Objectiva). Do Afeganistão a Itália, passando pelo Paquistão, Irão, Turquia e Grécia, a odisseia do jovem afegão respira o desconforto de um dia-a-dia muitas vezes sem um tecto seguro, a ansiedade de um quotidiano onde o medo não dorme, o desencanto de dias onde a vontade de brincar não tem espaço para existir. O relato é feito de imagens fortes contadas por palavras claras, a espaços a curiosidade do italiano cruzando memórias que enriquecem mais ainda o relato de Enaiatollah. Sabe onde não pode voltar, não desiste (nem mesmo quando é repatriado mais que uma vez a partir do Irão). Mas não perde nunca a capacidade de acreditar (nem deixa de seguir os conselhos que a mãe lhe deixou). Episódios de uma vida anónima (que assim agora o deixa de ser), nascida no Afeganistão do nosso tempo, No Mar Há Crocodilos revela-nos um importante retrato do mundo presente.