sexta-feira, março 25, 2011

Olhares sussurrados


Não são precisas muitas palavras para contar uma história. De resto, Yusuf é de poucas palavras. Com seis anos de idade, o pequeno protagonista de Mel, filme do turco Semih Kaplanoglu (que venceu o Urso de Ouro em Berlim e acaba de estrear entre nós), raramente fala, o pai sendo o único que vai para lá do seu pequeno universo de silêncios, o filho sussurrando-lhe aos ouvidos os sonhos que teve, as perguntas que coloca, as observações que faz... Como Yusuf, o filme de Semih Kaplanoglu não levanta a voz, sussurrando-nos antes, essencialmente pelo olhar (sob espantosos enquadramentos e magnífica direcção de fotografia), momentos do dia a dia do mundo ao redor do seu espaço familiar. E, tomando Yusuf como referência, o filme olha o mundo dos grandes de baixo, com curiosidade, observando, raramente agindo.

Mel é a terceira parte de uma trilogia que conta uma história de vida. Precisamente a de Yusuf. Mas, ao contrário do que um Truffaut propôs nos filmes em que seguiu a vida de Antoine Doinel, ou Satyajit Ray no tríptico que criou em torno de Apu, entre Egg (2007), Milk (2008) e, agora, Mel, seguimos os caminhos do protagonista rumando cada vez mais atrás no tempo. Recuamos aqui aos dias da escola, quando o pequeno se vê confrontado com uma gaguez incontrolável sempre que chega a sua vez de ler nas aulas, em casa, junto ao pai, a voz seguindo com outra confiança as mesmas palavras...

Mel é mais um filme de sensações que de grandes arcos narrativos. De pensamentos não necessariamente verbalizados. De afectos... Há um contexto. O da vida familiar de um apicultor, dias passados entre a floresta, subindo a altas árvores e o espaço tranquilo de uma casa que vemos, sempre, pelo olhar do filho. Há um texto, que acompanha, sem a necessidade de um “era uma vez”, um tempo em a ausência do pai ensurdece mais ainda o mundo calado do pequeno Yusuf. E há, no fim, uma das melhores experiências de cinema que temos visto chegar aos ecrãs nos últimos anos.



Imagens do trailer de Mel.