Surpresa? Nenhuma.
Se vivemos num país em que para muitos é lógico, é mesmo indispensável, difamar, enxovalhar e insultar Manoel de Oliveira pelos seus triunfos no estrangeiro, não pode deixar de ser normal que Portugal esteja representado no Festival da Eurovisão com a canção A Luta É Alegria, dos Homens da Luta [video em baixo: E o Povo, Pá?]. Há portugueses que se sentem representados por este "povo", ao mesmo tempo que não se reconhecem no Amor de Perdição, de Oliveira (porventura nem no de Camilo).
Numa ingenuidade que chega a ser comovente, e de cuja sinceridade não duvido, os Homens da Luta conseguem congregar a agressividade máxima de uma cultura dominante, de raiz televisiva, que mudou o país nas últimas décadas. Seus valores fundamentais:
1. a consagração de uma ideia de juventude "sempre em festa", colando-se a tudo o que seja superficial, anedótico e alheio a qualquer forma de responsabilização;
2. a banalização de todas as referências históricas, a começar pelo apagamento da complexidade da herança do 25 de Abril (aspecto para qual a classe política tem também dado uma contribuição preciosa, satisfazendo-se com os mais pueris discursos panfletários);
3. enfim, a recuperação demagógica da palavra povo, devidamente trucidada à esquerda e à direita, agora aplicada como mero gadget, em tudo e por tudo idêntico a outros que servem para promover telemóveis e outros instrumentos de um novo imaginário social.
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Assistimos, aliás, ao triunfo de um imaginário que conseguiu esvaziar de qualquer imaginação e pensamento o próprio conceito de social. Estar "em rede" não é aceitar entrar no difícil labor de construir relações, mas apenas criar links. Quanto mais links se estabelecem, mais "amigos" se têm.
Este é, afinal, um sistema de múltiplas "amizades" e de nenhum humanismo. A cultura dominante transformou-se numa teia de gratificações aceleradas e instantâneas, a ponto de a diversão deixar de depender de um qualquer sentido de ruptura: passou a ser o estado "natural" do mundo. Uma tristeza, enfim.
Este é, afinal, um sistema de múltiplas "amizades" e de nenhum humanismo. A cultura dominante transformou-se numa teia de gratificações aceleradas e instantâneas, a ponto de a diversão deixar de depender de um qualquer sentido de ruptura: passou a ser o estado "natural" do mundo. Uma tristeza, enfim.