domingo, março 13, 2011

De Liverpool a Berlim (via Birmingham)


Este perfil do maestro Sir Simon Rattle foi originalmente publicado na edição de 26 de Fevereiro do DN Gente com o título ‘Um Cavaleiro Britânico em Berlim’.

Não é primeira vez que um músico filho de Liverpool brilha na Alemanha. Em inícios dos anos 60 quatro rapazes de cabelo então bem aparado fizeram a "rodagem" em bares de Hamburgo antes de se revelarem ao resto do mundo com canções que acabariam registadas na história da música do século XX. Simon Denis Rattle (n. 1955) era ainda uma criança nos dias em que os Beatles tentavam a sua sorte em Hamburgo. Mas, hoje, o respeitado maestro titular da Orquestra Filarmónica de Berlim (OFB) é um dos exemplos mais notáveis de reconhecimento mundial para um cidadão de Liverpool que, como os fab four, levou a sua música bem para lá das fronteiras da sua cidade.

Na verdade, Berlim não foi a primeira cidade a acompanhar com regularidade o trabalho deste maestro. Depois de estudar piano e violino e de tocar como percussionista em orquestras, chegou a Londres em 1971 para continuar os seus estudos na Royal Academy of Music, datando de então os seus primeiros trabalhos como maestro.

Caminhou depois entre cidades inglesas, começando como assistente na Bournemouth Symphony Orchestra em 1974, passando depois pela Royal Liverpool Philarmonic e, mais tarde, pela City of Birmingham Orchestra. Foi à frente desta última que ganhou notoriedade mundial, conquistando para a orquestra um estatuto de maior proeminência, que sublinhou através de sucessivas edições discográficas. A visibilidade que ganhou com a orquestra de Birmingham permitiu-lhe, em 1999, ser escolhido pelos músicos da OFB como seu novo maestro titular (lugar que tomou três anos depois), sucedendo assim, no posto mais desejado para um qualquer maestro, ao ilustre Claudio Abbado (que por sua vez sucedera a Karajan).


O seu trabalho à frente da orquestra berlinense, que tem como sede o belíssimo complexo de edifícios habitualmente designado como Philharmonie, tem transcendido o espaço estritamente musical do trabalho habitual de um maestro. Teve um papel na transformação da orquestra numa fundação. E data também deste seu período frente à orquestra a aposta em novas formas de comunicação, nomeadamente a abertura de um programa de transmissões em directo de concertos pela Internet, através do Digital Concert Hall. A história do relacionamento de Rattle com Berlim conheceu já momentos de turbulência. O que contudo não o impediu de ver renovado o voto de confiança dos músicos que em 2008 decidiram prolongar o seu contrato como maestro titular até 2018.

Mais longa que a sua ligação à orquestra berlinense é a sua presença como um dos rostos de maior protagonismo no catálogo da EMI Classics, que de resto celebra agora os 30 anos do seu relacionamento com Rattle. Ao longo deste período gravou cerca de 70 discos, muitos distinguidos com prémios, entre os quais três Grammys (um por Um Requiem Alemão, de Brahms, em 2007, outro pela Sinfonia dos Salmos de Stravinsky, de 2008, e um terceiro por uma Sinfonia Nº 10 de Mahler, de 2000).


Armado cavaleiro pela Rainha Isabel II em 1994 (respondendo desde então como Sir Simon Rattle), tem sido um importante divulgador da música do século XX. E está atento ao presente. De resto, ainda recentemente gravou mais uma obra do jovem britânico Thomas Adès. O sorriso que lhe conhecemos (e que vemos em palco quando dirige) transparece na música que dirige. Os dotes como comunicador são claros. É um homem do presente, atento às potencialidades das novas formas de comunicação. E um exemplo de uma forma de lidar com a orquestra (e os seus espectadores) distante da postura autocrática de grandes chefes de orquestra de outros tempos.

Gustav Mahler é presença firme na história do relacionamento do maestro com esta orquestra. Da primeira ocasião em que a dirigiu, em 1987, fê-lo com uma Sinfonia N.º 6. E em 2002, o seu primeiro concerto como titular da orquestra juntou Asyla, do compositor contemporâneo britânico Thomas Adès, a uma Sinfonia N.º 5 de Mahler. E são já quatro as sinfonias do compositor austríaco que Rattle gravou com a orquestra berlinense para a EMI Classics.


Entre as suas mais antigas memórias musicais conta-se, na Liverpool dos anos 60, o momento em que, pela primeira vez, uma orquestra europeia apresentava a integral da obra sinfónica do compositor sob a direcção de um mesmo maestro. E aponta mesmo o instante em que ouviu a Sinfonia N.º 2 (precisamente a que acaba de levar a disco) como o momento que o fez sentir que queria ser um maestro. A "segunda" de Mahler foi, depois, uma das obras que dirigiu integrado numa orquestra de estudantes na Londres de inícios dos anos 60.

Apesar de ter registada em disco a "sexta" que dirigiu em 1987, a discografia em curso de uma eventual integral da obra sinfónica de Mahler com a Filarmónica de Berlim vai assim no seu quarto disco. Começou, em 2000, com uma Sinfonia N.º 10. Seguiu-se, em 2002, uma Sinfonia N.º 5 e, em 2008, uma Sinfonia N.º 9. De gestação relativamente longa, e estreada em1895, a Sinfonia N.º 2 é uma das obras mais impressionantes de Mahler na qual o compositor propõe um programa narrativo sobre a ressurreição, concluindo o último andamento com um sinal de esperança numa lógica de incessante renovação. Na gravação que agora chega a disco, captada ao vivo na grande sala da Philharmonie, em Berlim, em duas noites em finais de Outubro de 2010, Simon Rattle e a OFB são acompanhados por Kate Royal (soprano), Magdalena Kozena (mezzo soprano) e o Rundfunkchor Berlin.