sábado, fevereiro 05, 2011

De que falamos quando falamos do Egipto?


Eis uma espantosa e perturbante fotografia, assinada por Chris Andrews (Getty Images), num certo sentido condensando algo da nossa relação contemporânea com os acontecimentos-e-as-suas-imagens: na noite de terça-feira (1 Fev.), manifestantes da Praça da Liberdade, no Cairo, acompanham o discurso gravado de Hosni Mubarak, anunciando que não concorrerá a novas eleições.
É uma das impressionantes 45 imagens da última semana vivida no Egipto, disponíveis no blog fotográfico do jornal The Boston Globe, 'The Big Picture'. Vale a pena olhá-las com atenção e disponibilidade, quanto mais não seja porque nelas pressentimos a insuficiência do nosso olhar. Que é como quem diz: a necessidade de não falarmos do Egipto como se fosse a mera ilustração de dados ou valores que julgamos automaticamente transparentes e universalmente operantes.
Até porque, na prática, pelas televisões tem passado um simplismo assustador. Podemos resumi-lo de forma muito linear: onde houver gente aos gritos, então o que acontece é o confronto da "liberdade" com a "repressão". Não é possível, por certo, vislumbrar o que está a acontecer sem, em algum momento, usar essas duas palavras. E outras: "políticos", "militares", "petróleo", "democracia"... Mas não é isso que, aqui, está em causa. É, isso sim, a facilidade com que o espaço televisivo funciona por correntes efémeras (entretanto, porque é que a Tunísia desapareceu das manchetes?), servindo o mundo aos espectadores como se fosse um banal jogo de video.
Importa, mais do que nunca, pensar o modo como a informação (não) passa nos nossos ecrãs — leia-se, a propósito, a crónica de J.-M. Nobre Correia no Diário de Notícias. Os factores políticos, económicos e geo-estratégicos envolvidos são demasiado complexos para nos ficarmos pelas dicotomias pueris — leia-se, por exemplo, a argumentação salutarmente provocatória de Stephen L. Carter na Newsweek.
Uma tradição, também ela maniqueísta, tende a criar em torno destas imagens que nos desafiam um espaço de discussão (?) em que só valem os "prós" e "contras". Em boa verdade, na saturação "informativa" em que vivemos, para o cidadão comum, o grande desafio é compreender. Até porque nunca faltarão os repórteres televisivos que, condenados ao heroísmo, insistem em nos garantir que, ali onde estão, podem levar um tiro... Para onde foi o pudor jornalístico?