domingo, fevereiro 06, 2011

"Avatar" na televisão: antes e depois do 3D


Avatar chegou aos canais do cabo. Que resta para além das três dimensões? Ou ainda: qual o futuro expressivo e comercial do 3D? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Fevereiro), com o título 'A televisão contra o 3D?'.

A discussão em curso sobre as potencialidades do cinema a três dimensões implica (ou implicará) a televisão e a forma como, em sentido muito literal, a olhamos. A pergunta incontornável é esta: sendo a televisão, desde o cabo até ao consumo de DVDs ou downloads, uma plataforma vital para todos os objectos cinematográficos, que acontece (ou acontecerá) quando os televisores tentarem oferecer condições semelhantes ao 3D das salas escuras?
Actualmente, podemos assistir a uma espécie de comentário perverso a tal interrogação com o início da passagem do filme Avatar, de James Cameron, nos canais TVCine (incluindo em HD). Permito-me referir que não sou grande entusiasta do filme, a meu ver muito primário no modo como se reapropria de algumas matrizes da aventura fantástica. Mas não é isso que está em causa: por razões técnicas e de mercado, Avatar é uma data histórica na produção do século XXI e estamos ainda longe de poder avaliar todas as consequências industriais e simbólicas do seu impacto.
Ora, não deixa de ser bizarro que a revisão do filme em HD, sem 3D, nos permita deparar com uma riqueza gráfica e cromática que o 3D estava longe de rentabilizar por completo (convém lembrar, a esse propósito, que há estudos que avaliam em cerca de 30 por cento a perda de luminosidade das imagens resultante do uso dos óculos do 3D). Dir-se-ia que, pelo menos neste caso, a televisão põe a nu as limitações actuais do 3D, evitando inclusive as dores de cabeça que afectam alguns espectadores nas salas.
Recentemente, um técnico tão prestigiado nas áreas de montagem e som como Walter Murch (oscarizado com Apocalypse Now e O Paciente Inglês) escreveu mesmo uma carta ao crítico Roger Ebert (publicada no seu site) em que manifesta um cepticismo radical em relação ao 3D; Murch vai ao ponto de considerar que o sistema nos obriga a um esforço físico e mental que contraria toda a biologia do nosso sistema de visão. Será que algumas das desilusões acumuladas pelo 3D poderão ser redimidas na imagem “tradicional” do nosso ecrã caseiro? Seria uma ironia carregada de simbolismo.