O herói de Conan Doyle em Londres, século XXI? Com computadores e telemóveis? A BBC mostra que é possível. E com brilhantismo — este texto integrava uma crónica de televisão publicada no Diário de Notícias (14 de Janeiro).
Dos três episódios de 90 minutos que constituem a série Sherlock, com chancela da BBC, apenas tive possibilidade de ver o último. Ainda assim, não queria deixar de registar a sua passagem na RTP2: creio que estamos perante um caso modelar de reconversão da personagem clássica, criada por Arthur Conan Doyle, “forçando-a” a encaixar num mundo em que as mais sofisticadas investigações policiais se processam em cenários naturais e na Net, entre computadores e telemóveis.
Não se trata de um banal processo de modernização, mas sim de uma integração (no nosso presente) em que prevalece um fascinante primitivismo intelectual: dos cenários às roupas, os novos Sherlock Holmes e John Watson parecem existir num limbo simbólico em que o gosto de pensar não foi anulado pelas vertigens da tecnologia. Trunfos fundamentais para tal efeito são as interpretações de Benedict Cumberbatch (Holmes) e Martin Freeman (Watson), figuras de deliciosa e desconcertante teatralidade à procura de um lugar num universo que, afinal, não sabe dispensar os seus talentos.
E quando se fala em produto popular, típico de canais generalistas, vale a pena referir alguns dados muito objectivos: na BBC1 e BBC3, as primeiras emissões de Sherlock começaram entre as 19h30 e as 21h00. Elementar, meu caro Watson.