quinta-feira, janeiro 06, 2011

O choque do presente


Tal como na música cada vez mais estão esbatidas as antigas fronteiras entre géneros, também no cinema as linguagens tendem hoje a diluir-se entre si. Tal como em Atanarjuat – O Corredor, de Zacharias Knut, em Tulpan cruzam-se pontos de vista. Mas, e mesmo seguro de uma linha narrativa de ficção que o suporta, Tulpan não esconde um olhar assinado por quem, até aqui, ao olhar o mundo com uma câmara, o projectava na forma de documentários.


Sergey Dvortsevoy, natural do Cazaquistão, tem já uma obra repartida entre curtas e médias-metragens, e um currículo que conta com prémios em festivais de cinema documental em Leipzig ou Lyon. Tulpan, que na passada semana estreou entre nós (e passou numa das edições anteriores do Estoril Film Festival) foca o seu olhar no espaço fisicamente desolado da estepe cazaque, tomando como centro de gravidade uma família nómada que cria ovelhas e dois jovens em plena idade dos sonhos. Asa está de regresso depois de cumprido o serviço militar na marinha e sabe que só terá o seu rebanho de ovelhas depois de casar. Tulpan é a mulher com quem sonha viver. Um terceiro elemento em cena é Boni, que surge recorrentemente do nada que é a vastidão sovada pelo vento da estepe, inevitavelmente ao som doe Rivers Of Babylon, dos Boney M.

Entre o sonho de uma vida familiar segundo os ecos da tradição e a “alternativa” urbana que se coloca hoje no horizonte de muitos jovens cazaques, Tulpan olha o texto da narrativa que nos propõe tomando o contexto (geográfico e antropológico) com peso igualmente protagonista. Não é como um documentário com histórias (de ficção) de gente dentro. Antes uma reflecção que parte de figuras e trama ficcionadas que, na verdade, observa de perto o conflito que o presente coloca perante a vida de quem carrega uma “genética” quotidiana plena de hábitos de outros tempos.



Imagens do trailer de Tulpan.