domingo, janeiro 30, 2011

As obsessões de um físico


Encomendada pela cidade austríaca de Linz para assinalar o ano em que foi Capital Europeia da Cultura (em 2009), Kepler é uma ópera de Philip Glass que celebra uma figura histórica que naquela cidade trabalhou em inícios do século XVII. Uma gravação de uma das récitas apresentadas em 2009 no Landes Theatre, com a Bruckner Orchester Linz, dirigida por Dennis Russel Davies e com Martin Achrainer no papel de Kepler, surge agora num CD duplo editado pela Orange Mountain Music.

É a terceira vez que Philip Glass reflecte numa ópera um retrato de um físico. Fê-lo, nos anos 70, tomando Albert Einstein como protagonista no histórico Einstein On The Beach, a sua primeira ópera (e peça fulcral na redefinição de rumos para o teatro musical na segunda metade do século XX). Galileu Galilei deu título a uma maios recente ópera, estreada já no início da década dos zeros. Agora é Johannes Kepler (1571-1630), matemático e astrónomo, célebre pela enumeração de leis que regem os movimentos celestes, quem mora no centro de uma obra sua. Só não diremos centro “da acção” porque, conta quem viu Kepler em cena, “acção” não parece ser o ingrediente protagonista numa obra que vive mais das reflexões do cientista (usando mesmo fragmentos de escritos seus) que de episódios da sua vida. De resto, entre os textos publicados na sequência da estreia de Kepler e, agora, da sua edição em disco há mais que uma reflexão sobre se, em vez de uma ópera, não seria preferível chamar antes a Kepler um oratório... Como se um nome resolvesse tudo... Et voilà, o mundo afinal até é perfeito (como os movimentos que Kepler matematicamente descreveu)...

Com mais ou menos acção, Kelpler é na verdade mais um claro exemplo do domínio de uma escrita dramática por um compositor que soma aqui a sua vigésima terceira ópera... Como é característico na sua forma de abordar um tema, uma figura, um tempo, Philip Glass procura nele uma ideia. E aqui, com o auxílio de Martina Winkel (que assina o libreto), e na sua produção original, encenação de Peter Missotten, procura não só os pensamentos de um homem que procurava obter respostas às suas obsessões mas também se questionava a si mesmo, a expressão “Deus baseou tudo em números” tendo representado, como se explica no booklet, o ponto de partida que estimulou o compositor.

Sem evitar as suas marcas de identidade mais características (como referia um texto no New York Times, ninguém terá dúvidas sobre quem é o compositor), Kepler (cantado alemão e latim) tem apenas no protagonista uma personagem identificada, as restantes seis vozes não sendo usadas (e mesmo designadas) senão pelas suas características vocais, de duas sopranos a um baixo.

Podem ver imagens da produção original da ópera aqui.