Para o melhor e para o pior, o espaço televisivo tem a série como elemento fulcral — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 de Novembro), com o título 'As séries e as excepções'.
O aumento exponencial do consumo de séries televisivas gerou um mito simplista. Segundo ele, face à infantilização do cinema (que existe em algumas áreas, como é óbvio), a “ousadia” e a “experimentação” teriam passado por completo para o domínio da televisão.
Como sempre, a televisão vive as contradições próprias das suas muitas regras e poucas excepções. Assim, algumas séries, que no seu arranque se distinguiram por variações temáticas mais ou menos surpreendentes, têm-se prolongado ingloriamente por sucessivas temporadas. É o caso de Erva, bizarra comédia familiar sobre os circuitos suburbanos das chamadas drogas leves, agora transformada numa colagem “burlesca” cada vez mais gratuita. É também o caso de Nip/Tuck, visão desencantada do dia a dia de dois especialistas em cirurgia plástica que se foi reduzindo a uma inconsequente parada de “monstros”.
Vale a pena, por isso, destacar as excepções, a começar inevitavelmente por Mad Men. Com a terceira temporada a passar na RTP2 (e a quarta na Fox Next), este retrato de uma agência de publicidade de Manhattan, no arranque da década de 1960, consegue a proeza de satisfazer uma lógica (televisiva, precisamente) de reconstituição de época sem nunca ceder a qualquer determinismo narrativo ou simbólico, gerando um clima de fascinante ambivalência em que a ironia moral vai a par de uma densidade visceralmente trágica. Mais recente é o caso de Uma Família Muito Moderna (Fox Life), brilhante série de comédia que integra uma insólita dimensão “documental”, desse modo desmontando também o espontaneísmo de muitas formas televisivas de encenação.
Sendo a produção televisiva uma área que, por definição, favorece a repetição, a rotina e o academismo, Mad Men e Uma Família Muito Moderna exemplificam uma atitude de permanente questionamento dos seus próprios modelos. É uma lição, de uma só vez artística e económica, que demonstra que o domínio unilateral da telenovela não decorre de nenhuma “naturalidade” estética ou financeira: é antes o resultado muito directo de opções concretas de programação.