segunda-feira, novembro 29, 2010
Rascunhos apresentados
No fundo, e quando possível, era assim que devia ser sempre… Se um disco é um retrato de um conjunto de canções, porque não um tempo de reflexão entre o rascunho e a passagem a tinta permanente? Tempo que, com a apresentação das canções frente a uma plateia, gera diálogo, confronto de ideias, o traço aqui ou ali ajustando-se depois à forma final das canções (se é que a tal forma final alguma vez existe, que as canções vivem e transformam-se sempre que cantadas uma vez mais), um pouco como a vida de palco, em digressão, acaba muitas vezes por fazer. Sérgio Godinho levou os rascunhos quase prontos de um novo disco, a gravar e editar em 2011, a três noites de casa cheia na Culturgest. Não faltaram alguns mergulhos no passado, do mais remoto (na forma de um Pode Alguém Ser Quem Não É para voz e guitarra) ao mais recente (O Velho Samurai), sendo que o foco das atenções estava claramente projectado no que de novo se ia escutar. Os novos rascunhos mostram o que pode ser um passo adiante do que ouvimos no seu último álbum de originais, à assimilação do som que tem desenvolvido nos últimos anos acompanhado pelos Assessores juntando-se novos olhares, nomeadamente através de soberbas colaborações com António Serginho (A Invenção da Roda) ou Bernardo Sassetti, de uma música deste último e uma letra de Sérgio Godinho tendo nascido talvez a melhor das canções da noite. Bela ideia a que junta canto e fala em Mão na Música (pede claramente faixa um no alinhamento, com ‘reprise’ no final, tal e qual sugerido em palco). Sente-se um single potencial no festivo encontro da tradição popular com as linguagens do nosso tempo em Vá Lá. Outro instante de boa carpintaria mostra-se em Eu Vou a Jogo. Faz Parte (O Regresso das Audácias), estreado no espectáculo Três Cantos, com José Mário Branco e Fausto, ganhou já segura forma final. Já a Bomba-relógio, que arranca com uma bela ideia instrumental, ainda precisa de algum tempo para apurar... Rascunhos mostrados. Venha então o álbum que, a editar num ano em que se assinalam os 40 da edição do EP Romance de Um Dia na Estrada (o primeiro disco de Sérgio Godinho) reforça a ideia de que esta é uma obra ainda em construção.