Mais um Harry Potter... O princípio do fim da série (falta apenas um episódio, a ser lançado no Verão de 2011) confirma o triunfo de uma mentalidade tecnocrática para o cinema — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 de Novembro), com o título 'Como passa o tempo pelos actores?'
O mais interessante de Harry Potter e os Talismãs da Morte – Parte I é a direcção fotográfica de Eduardo Serra. Reconhecê-lo não envolve nenhum nacionalismo balofo. Acontece que o universo cinematográfico de Harry Potter há muito adquiriu as limitações do moderno conceito de “franchise”, secundarizando as componentes que (ainda) o ligavam à mais nobre tradição da aventura fantástica. Nesse contexto, Serra emerge como um caso modelar de competência profissional, naturalmente incapaz de “salvar” todo um empreendimento sugado pela lógica do marketing.
Aquilo que surge como potencialmente mais interessante é também aquilo que o filme mais se empenha em mascarar. A saber: a inapagável passagem do tempo nos rostos e corpos dos actores. De facto, decorreu uma década desde a rodagem do primeiro capítulo da saga, Harry Potter e a Pedra Filosofal (lançado no Natal de 2001): Daniel Radcliffe, o actor principal, já não é uma criança de 11 anos, mas um adulto de 21; Rupert Grint e Emma Watson, intérpretes de Ron e Hermione, têm agora 22 e 20 anos, respectivamente.
Ora, que faz o filme com eles? Tenta mantê-los como símbolos de um infantilismo sem mácula, pontualmente contaminado por um momento “imaginário” de sugestão sexual, ao nível de um mau anúncio de shampoo anticaspa. Nem sequer chega a ser divertido, de tal modo este universo de “magia” e “transgressão” canaliza uma imagem estereotipada dos jovens (e para os jovens).
Fica o voto de que depois do fim da saga (ainda falta um episódio...), os actores possam libertar-se da sua adolescência cinematográfica, mostrando o talento que, por certo, terão. Até agora, nunca tiveram direito à sua humanidade, reduzidos que foram a robots com o mesmo valor dramático de qualquer efeito especial.