sábado, outubro 02, 2010

Tarantino na programação do canal Arte


Cães Danados passou no Arte: um (des)encontro feliz entre cinema e televisão — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 de Outubro), com o título 'Reencontro com Tarantino'.

Reencontro no canal Arte o primeiro filme de Quentin Tarantino, Reservoir Dogs/Cães Danados (1992). O facto encerra uma ironia macabra: um título exemplar de toda uma cultura pop de reinvenção das formas clássicas tornou-se tema de eleição de um canal “artístico”, ao mesmo tempo que, entre nós, os canais generalistas (adjectivo infinitamente mentiroso) promovem a telenovela como modelo dominante de ficção.
Lembro-me de o ver pela primeira vez no Festival de Cannes. E lembro-me também da reacção que suscitou: para muitos jornalistas e críticos, era a revelação de um talentoso cineasta, embora fosse demasiado “violento”. Ontem como hoje, o debate sobre a violência das imagens surge condicionado por um moralismo (televisivo, precisamente) que grita “ó da guarda!” cada vez que uma personagem surge pintada de tinta vermelha (e há muita em Cães Danados), mas que se mantém olimpicamente indiferente perante o determinismo dramático e emocional com que, por exemplo, os adolescentes são retratados em Morangos com Açúcar.
O cinema de Tarantino funciona, aliás, como uma máquina de interrogação do valor simbólico das imagens (e dos sons), quanto mais não seja porque ele trabalha a partir de uma riquíssima memória cinéfila que, em boa verdade, não exclui o uso da televisão: nascido em 1963, Tarantino pertence a uma geração que organizou grande parte do seu conhecimento cinematográfico através do video. E porque estas histórias nunca são lineares, vale a pena referir que, em 1994, Tarantino regressou a Cannes com Pulp Fiction e ganhou a... Palma de Ouro!