sexta-feira, outubro 08, 2010

Quando Auden inspirou Bernstein


Longe de representar a face mais reconhecida da sua obra, as três sinfonias de Leonard Bernstein (compostas entre as décadas de 40 e 60) representam um dos espaços através dos quais o compositor expressou mais profundamente não apenas ecos da sua identidade judaica mas também manifestações de uma muito pessoal demanda espiritual. A Sinfonia Nº 2 (com o subtítulo The Age Of Anxiety) nasceu em finais dos anos 40 na sequência de uma viagem a uma Europa devastada pela guerra e da consciência da real dimensão do holocausto. O seu verdadeiro momento inspirador foi, contudo, a leitura de um extenso poema de W.H. Auden – com o título The Age Of Anxiety: A Barroque Eclogue, vencedor de um Pulitzer em 1948 - que acabaria por representar o “argumento” para uma sinfonia que propõe uma narrativa. A história de quatro solitários que se encontram num bar nova iorquino e da noite que se segue ganhou forma, na visão de Bernstein, no grande auditório, com a Orquestra Gulbenkian, juntamente com a pianista Dana Ciocarlie, sob direcção do romeno Christian Badea (na foto). É uma obra exigente, instrumentalmente desafiante (sobretudo para o piano, que toma um papel de protagonista), com um “episódio” de travo jazzístico (para piano e percussão) em The Masque durante o qual, mesmo sentados nos seus lugares, os restantes músicos da orquestra saboreavam claramente o irresistível apelo do ritmo. A abrir o programa, outra composição que conta ecos dos dias de guerra nos quarentas: Fanfarre For The Common Man (de 1942), curta fanfarra criada pelo também norte-americano Aaron Copland a pedido da Orquestra Sinfónica de Cincinatti, como “uma significativa contribuição para o esforço de guerrra”.
Contudo, o momento da noite em que a orquestra brilhou mais foi quando, já depois do intervalo, nos revelou uma leitura magnífica da romântica 7ª Sinfonia de Antonin Dvorák. Christian Badea e orquestra, como um corpo uno, respondendo de forma intensa a uma música que nasceu em dias de turbulência interior para o compositor checo.