domingo, outubro 17, 2010

Em conversa: Daniel Harding (1)


Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com o maestro Daniel Harding que serviu de base ao artigo ‘A obra de Carl Off que resiste ao tempo’ publicada a 10 de Outubro no DN.

A cantata Carmina Burana , de Carl Orff, é das peças mais tocadas e gravadas da música do século XX. Porque gravou uma obra com uma discografia já tão vasta?
O ímpeto veio da Deutsche Grammophon, que queria uma nova gravação, o que é curioso quando já tem tantas. É uma obra tremendamente popular, e mesmo quando surgem novas gravações suscita sempre fascinação e interesse. O elemento central aqui foi o facto de não haver gravações modernas com esta orquestra e coro [da rádio da Baviera]. Esta orquestra e coro têm na verdade uma relação muito próxima com as origens desta obra. E de facto não havia gravações disponíveis. Para tanta gente esta obra está tão ligada a Munique e a esta orquestra que essa foi a razão pela qual o fizemos.

Como explica o repetido sucesso e, também, a longevidade desta obra de Carl Orff?
De certa forma o que esta obra nos dizia quando foi estreada é ainda o que nos diz hoje. Há algo sedutor nesta particular linguagem musical artificial que Carl Orff criou. Há aqui uma combinação com uma linguagem musical que parece ter a autoridade de ser antiga (é algo que está connosco há muito tempo). Não o digo num nível consciente, mas é uma espécie de fraquinho que os seres humanos têm por coisas que são antigas… Se andam por aí há muito tempo, é porque há verdade nelas, pensamos. Ele combina essa linguagem musical que tem ecos de outros tempos com uma arrumação que é muito moderna e fácil se assimilar. E assim cria uma espécie de linguagem musical artificial. É fácil relacionarmo-nos com ela. É inteligente e muito manipuladora ao mesmo tempo.

Há aqui como que um confronto entre ecos da Idade Média, nos poemas, e uma música nova, do século XX?
Não diria um confronto. É mesmo uma mistura inteligente. Ele usa a autoridade de poemas da Idade Média e a autoridade de uma música que, de uma forma algo sofisticada, parece soar a cânticos, a canções folk… Liga estereótiopos musicais que tempos e arruma-os com uma percussão exótica e com dispositivos rítmicos modernos e com uma orquestração muito colorida. Combina linguagens musicais que nos são muito familiares e que assim comportam memórias. E assim é uma música fácil de apreciar. Penso que essa talvez seja a chave para o sucesso desta obra. Uma obra como as Quatro Estações de Vivaldi, que também é tão incrivelmente popular, faz com que muitas pessoas ali reconheçam o que é mais atractivo na música clássica. E quanto mais luxuriante for a interpretação mais popular a obra se transforma. E as grandes falhas das interpretações de Vivaldi estão nas leituras mais exuberantes dos anos 60, bem diferentes das que conhecemos com pessoas a tocar com instrumentos de época de uma forma mais requintada. O Carl Orff é um equivalente a isso. Apresenta a música antiga de uma forma moderna muito atraente.

(continua)