quinta-feira, setembro 23, 2010

A Travessia do Mar Vermelho (em versão científica)

Moisés, aliás Charlton Heston, conseguiu assim a proeza de separar as águas do Mar Vermelho, garantindo a passagem dos israelitas, escapando ao jugo do Faraó do Egipto — é uma imagem emblemática, universalmente conhecida, do clássico de Hollywood Os Dez Mandamentos (1956), de Cecil B. de Mille. Episódio bíblico narrado no Livro do Êxodo, a Travessia do Mar Vermelho foi recriada ao longo dos séculos, nomeadamente na pintura [em baixo, o exemplo magistral de Poussin].
Agora, a ciência achou por bem dar o seu contributo. Que é como quem diz: cientistas americanos do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR), da Universidade do Colorado, apresentaram um trabalho teórico sobre o modo como o vento poderá ter gerado o fenómeno de divisão das águas (embora num local diferente daquele que a Bíblia refere).
A notícia está nos meios de informação de todo o mundo [exemplo: BBC], ironicamente não desencadeando grandes inquietações. De facto, assistimos assim a mais um episódio típico do "cientismo" dos nossos dias, empobrecendo de igual modo crentes e não crentes.
Não está em causa que a investigação científica contemporânea possa aplicar os mais sofisticados recursos para compreender os mais complexos fenómenos naturais. Acontece, porém, que a "verdade" asséptica dos relatórios científicos tende a ocupar o espaço tradicionalmente pertença de um dos maiores legados da história da humanidade. A saber: o património de histórias que gerações e gerações transmitiram entre si, ao longo de séculos e séculos.
Mais concretamente: será que vamos começar a dispensar os livros, preferindo as investigações científicas capazes de os "substituir"? Será que alguém anda a estudar o modo como a madeira se pode converter em carne humana, evitando assim que percamos tempo a ler o Pinóquio?

NICOLAS POUSSIN (1594-1665)
Travessia do Mar Vermelho