Greta Garbo está de volta ao mercado do DVD com nada mais nada menos que sete títulos da sua filmografia — estes textos foram publicados no Diário de Notícias (28 de Agosto).
Graças a uma política sistemática de preservação e restauro, os filmes de Greta Garbo (tal como, de um modo geral, os grandes clássicos dos estúdios da Metro Goldwyn Mayer) estão bem representados no mercado do DVD. Os sete títulos agora lançados retomam, em parte, os conteúdos de uma caixa lançada entre nós em 2005. Nessa caixa de seis filmes incluía-se Grand Hotel (1932), de Edmundo Goulding, o único que não reaparece. Os outros cinco, de novo disponíveis, são: Mata Hari [foto], Rainha Cristina, Anna Karenina, Margarida Gautier e Ninotchcka. Vale a pena sublinhar que a edição de Margarida Gautier inclui uma outra lendária adaptação de A Dama das Camélias, neste caso do período mudo: trata-se de Camille (1921), de Ray C. Smallwood, com Rudolph Valentino no papel de Armand Duval e Alla Nazimova como Margarida.
Depois, há duas preciosidades também do mudo que nos permitem perceber melhor o processo de integração de Garbo na lógica de espectáculo de Hollywood. O Demónio e a Carne [cartaz] (1926), de Clarence Brown, um dos títulos em que contracenou com John Gilbert, foi o seu primeiro grande sucesso americano e pode ser visto como um modelo exemplar do erotismo “anos 20” (Gilbert e Garbo mantiveram uma relação amorosa que, ainda em 1926, levou à marcação do seu casamento: no dia aprazado, Garbo... faltou). A Dama Misteriosa (1928), de Fred Niblo, é um melodrama que apresenta Conrad Nagel como principal figura masculina. Em termos gerais, pode dizer-se que a qualidade das transcrições é francamente boa.
>>> Site oficial de Greta Garbo.
* * * * * Quando, hoje em dia, se fala do triunfo da francesa Marion Cotillard em Hollywood (incluindo um Oscar pelo papel de Edith Piaf em La Vie en Rose), é óbvio que o facto justifica admiração. Mas, em boa verdade, é um sintoma dos nossos tempos de globalização: no cinema, como na ciência ou na indústria da moda, a permanente deslocação e transferência dos mais variados talentos é um fenómeno que faz parte da nossa vivência planetária.
No tempo de Greta Garbo, as coisas estavam longe de ser tão evidentes: para a jovem a quem os pais chamaram Greta Lovisa Gustafsson (nascida em Estocolmo a 18 de Setembro de 1905), a possibilidade de se transformar numa verdadeira deusa de Hollywood não passaria de uma utopia radical.
As origens modestas da jovem sueca pareciam mesmo destinar-lhe uma existência discreta, tanto mais que nunca frequentou nenhum curso superior (alguns biógrafos consideram que o facto foi vivido durante muito tempo com um complexo de inferioridade). Mesmo a participação em pequenos filmes publicitárias, iniciada aos 15 anos, poderia não passar de um episódio pitoresco de uma adolescência anónima. O certo é que Greta Gustafsson conseguiu começar a frequentar as aulas da Escola de Arte Dramática de Estocolmo, aí conhecendo um professor exemplar: Mauritz Stiller. Pioneiro do cinema sueco (embora de origem finlandesa), Stiller deu-lhe o nome de Greta Garbo e dirigiu-a na sua primeira grande composição, A Lenda de Gösta Berling [cartaz], segundo o romance de Selma Lagerlöf.
Estava-se em 1924 e partir daí tudo aconteceu muito depressa. Tendo visto A Lenda de Gösta Berling em Berlim, Louis B. Mayer não hesitou em convidar o realizador e a actriz para trabalharem nos estúdios da Metro Goldwyn Mayer. Ainda assim, a aventura americana de Garbo não começou da melhor maneira e o projecto em que foi dirigida pelo próprio Stiller, A Tentadora (1926) teve uma rodagem atribulada, a ponto de Mayer se desentender com Stiller, substituindo-o por Fred Niblo.
Em 1930, veio o teste decisivo que, na época, destruiu muitas carreiras. Ou seja: o som. A estreia ocorreu com Ana Cristina, uma adaptação da peça de Eugene O’Neill (Prémio Pulitzer de drama de 1922) dirigida por Clarence Brown. O sucesso foi enorme, conferindo uma dimensão lendária à própria frase promocional com que o filme foi lançado: “Garbo talks!”, à letra, “Garbo fala!”.
Seguiram-se os filmes que, há muito, entraram na galeria das referências mitológicas de Hollywood, incluindo A Rainha Cristina (Rouben Mamoulian, 1933), inspirado na vida da rainha sueca do séc. XVII, Margarida Gautier (George Cukor, 1936), adaptação de A Dama das Camélias que era a interpretação preferida da própria Garbo, e Ninotchka [cartaz] (Ernst Lubitsch, 1939), uma comédia sobre diplomatas russos em Nova Iorque. A comédia romântica A Mulher de Duas Caras (George Cukor, 1941) acabaria por ser o título final da filmografia de Garbo.
Que faz com que uma estrela decida deixar de filmar aos 36 anos? As respostas, ainda hoje, envolvem alguma margem de especulação. É certo que Garbo não se retirou de forma tão abrupta como, por vezes, se refere. Em 1948, chegou mesmo a fazer testes para a adaptação de um livro de Balzac, La Duchesse de Langeais, sob a direcção de Max Ophüls, mas problemas de financiamento inviabilizaram o projecto. A pouco e pouco, descrente no futuro do cinema (tal como ela o viveu), foi escolhendo uma vida de austera reclusão que, apesar dos actos mais ou menos falhados de alguns papparazzi, manteve até ao seu falecimento, em Nova Iorque, a 15 de Novembro de 1990.
Graças a uma política sistemática de preservação e restauro, os filmes de Greta Garbo (tal como, de um modo geral, os grandes clássicos dos estúdios da Metro Goldwyn Mayer) estão bem representados no mercado do DVD. Os sete títulos agora lançados retomam, em parte, os conteúdos de uma caixa lançada entre nós em 2005. Nessa caixa de seis filmes incluía-se Grand Hotel (1932), de Edmundo Goulding, o único que não reaparece. Os outros cinco, de novo disponíveis, são: Mata Hari [foto], Rainha Cristina, Anna Karenina, Margarida Gautier e Ninotchcka. Vale a pena sublinhar que a edição de Margarida Gautier inclui uma outra lendária adaptação de A Dama das Camélias, neste caso do período mudo: trata-se de Camille (1921), de Ray C. Smallwood, com Rudolph Valentino no papel de Armand Duval e Alla Nazimova como Margarida.
Depois, há duas preciosidades também do mudo que nos permitem perceber melhor o processo de integração de Garbo na lógica de espectáculo de Hollywood. O Demónio e a Carne [cartaz] (1926), de Clarence Brown, um dos títulos em que contracenou com John Gilbert, foi o seu primeiro grande sucesso americano e pode ser visto como um modelo exemplar do erotismo “anos 20” (Gilbert e Garbo mantiveram uma relação amorosa que, ainda em 1926, levou à marcação do seu casamento: no dia aprazado, Garbo... faltou). A Dama Misteriosa (1928), de Fred Niblo, é um melodrama que apresenta Conrad Nagel como principal figura masculina. Em termos gerais, pode dizer-se que a qualidade das transcrições é francamente boa.
>>> Site oficial de Greta Garbo.
No tempo de Greta Garbo, as coisas estavam longe de ser tão evidentes: para a jovem a quem os pais chamaram Greta Lovisa Gustafsson (nascida em Estocolmo a 18 de Setembro de 1905), a possibilidade de se transformar numa verdadeira deusa de Hollywood não passaria de uma utopia radical.
As origens modestas da jovem sueca pareciam mesmo destinar-lhe uma existência discreta, tanto mais que nunca frequentou nenhum curso superior (alguns biógrafos consideram que o facto foi vivido durante muito tempo com um complexo de inferioridade). Mesmo a participação em pequenos filmes publicitárias, iniciada aos 15 anos, poderia não passar de um episódio pitoresco de uma adolescência anónima. O certo é que Greta Gustafsson conseguiu começar a frequentar as aulas da Escola de Arte Dramática de Estocolmo, aí conhecendo um professor exemplar: Mauritz Stiller. Pioneiro do cinema sueco (embora de origem finlandesa), Stiller deu-lhe o nome de Greta Garbo e dirigiu-a na sua primeira grande composição, A Lenda de Gösta Berling [cartaz], segundo o romance de Selma Lagerlöf.
Estava-se em 1924 e partir daí tudo aconteceu muito depressa. Tendo visto A Lenda de Gösta Berling em Berlim, Louis B. Mayer não hesitou em convidar o realizador e a actriz para trabalharem nos estúdios da Metro Goldwyn Mayer. Ainda assim, a aventura americana de Garbo não começou da melhor maneira e o projecto em que foi dirigida pelo próprio Stiller, A Tentadora (1926) teve uma rodagem atribulada, a ponto de Mayer se desentender com Stiller, substituindo-o por Fred Niblo.
Em 1930, veio o teste decisivo que, na época, destruiu muitas carreiras. Ou seja: o som. A estreia ocorreu com Ana Cristina, uma adaptação da peça de Eugene O’Neill (Prémio Pulitzer de drama de 1922) dirigida por Clarence Brown. O sucesso foi enorme, conferindo uma dimensão lendária à própria frase promocional com que o filme foi lançado: “Garbo talks!”, à letra, “Garbo fala!”.
Seguiram-se os filmes que, há muito, entraram na galeria das referências mitológicas de Hollywood, incluindo A Rainha Cristina (Rouben Mamoulian, 1933), inspirado na vida da rainha sueca do séc. XVII, Margarida Gautier (George Cukor, 1936), adaptação de A Dama das Camélias que era a interpretação preferida da própria Garbo, e Ninotchka [cartaz] (Ernst Lubitsch, 1939), uma comédia sobre diplomatas russos em Nova Iorque. A comédia romântica A Mulher de Duas Caras (George Cukor, 1941) acabaria por ser o título final da filmografia de Garbo.
Que faz com que uma estrela decida deixar de filmar aos 36 anos? As respostas, ainda hoje, envolvem alguma margem de especulação. É certo que Garbo não se retirou de forma tão abrupta como, por vezes, se refere. Em 1948, chegou mesmo a fazer testes para a adaptação de um livro de Balzac, La Duchesse de Langeais, sob a direcção de Max Ophüls, mas problemas de financiamento inviabilizaram o projecto. A pouco e pouco, descrente no futuro do cinema (tal como ela o viveu), foi escolhendo uma vida de austera reclusão que, apesar dos actos mais ou menos falhados de alguns papparazzi, manteve até ao seu falecimento, em Nova Iorque, a 15 de Novembro de 1990.