domingo, setembro 19, 2010

Entre fantasmas e memórias


Um dos grandes compositores norte-americanos do nosso tempo, John Corrigliano (n.1938) acaba de ver editado, através da Naxos, um disco que junta obras nas quais cruzou experiências com outras artes. Do ano 2000, Phantasmagoria é uma suite nascida da sua ópera The Goshs Of Versailles. Já o Concerto para Violino e Orquestra (2003) não é mais que um desenvolvimento natural da música que, em finais dos anos 90, compôs para o filme The Red Violin, de François Girard. As duas obras surgem em gravação pela Buffalo Philarmonic Orchestra, dirigida por Joann Falleta, contando o concerto com o violinista Michael Ludwig como solista.

Numa obra que alude aos dias da revolução francesa, The Gosts Of Versailles (estreada em 1991) é uma ópera que cruza três planos da realidade: o mundo das figuras reais que foram protagonistas (ou meros figurantes) dos factos históricos, o mundo dos palcos, habitado por figuras da época e o mundo dos fantasmas daquele tempo, entre os quais o dramaturgo Beaumarchais ou a rainha Maria Antonieta. É a partir da música que criou para a ópera que John Corrigliano desenvolve uma suite que não apenas congrega ecos de instantes concretos da ópera, como concentra uma série de citações (a Mozart, a Rossini ou Wagner), acentuando a noção de um tempo somado onde o presente em que vivemos partilha sons com os ecos (e os fantasmas) do passado. A música que, criada para o filme The Red Violin, surge agora em forma de concerto, é também um espaço que concilia um impuslo narrativo (porque oroginalmente associada às imagens e história que o filme nos contava) mas também a ecos de memórias, estas contudo na primeira pessoa, recordando experiências concretas do pai do compositor (também ele John Corigliano), que foi violinista na Filarmónica de Nova Iorque durante meio século. No booklet que acompanha o CD o próprio compositor recorda memórias não apenas dos concertos em que viu o pai como solista mas também as maratonas de ensaios, em casa ou no Carnegie Hall. Escreveu o concerto não apenas como expressão de um afecto maior pelo violino, como também como se o pensasse para ser tocado pelo seu pai, a quem de resto o dedica. No fundo, segue também as pistas sugeridas pela essência do filme de François Girard, onde a relação entre um violinista, o seu violino e o repertório para ele criado estão no centro da acção.