
As televisões, o poder político e o poder judicial vivem numa aliança cega. Em sentido literal: nenhum deles vê, ou quer ver (o que acaba por produzir efeitos semelhantes), como têm empurrado o país para uma existência de metódica e quotidiana angústia. Na prática, trata-se de renovar todos os dias a mesma sensação cruel: nada acaba, nada pode acabar.

Na ressaca das recentes notícias sobre o processo Freeport, ilibando o primeiro-ministro José Sócrates, perpassou pelas televisões um sinal revelador da inconsciência mediática que nos domina. Assim, de forma mais ou menos implícita, vários discursos reconheceram que, afinal, tinham sido cometidos alguns “excessos” jornalísticos...
É um reconhecimento cuja pusilanimidade não pode deixar de suscitar uma repetida reflexão. Desde logo por razões deontológicas: as muitas reportagens em que jornalistas se passeavam em frente de casas ou edifícios frequentados por “suspeitos”, construindo uma visão do mundo ancorada nos valores mais rasteiros da insinuação e da difamação, foram um pouco mais que “excessos”. Na verdade, foram a expressão de um estilo que, todos os dias, continua a degradar o universo jornalístico e a sua relação com os consumidores.

No seu clássico de 1941, Citizen Kane/O Mundo a Seus Pés, Orson Welles ensinou-nos um princípio rudimentar: o de que a verdade é sempre uma arquitectura de coisas frágeis e instáveis cuja dinâmica não é propriedade de ninguém. Era também, curiosamente, um filme sobre o jornalismo. Mas quem se lembra de Orson Welles?... Não será melhor reabrir o processo e convocá-lo como testemunha?