segunda-feira, agosto 23, 2010

Na solidão de River Phoenix

River Phoenix nasceu a 23 de Agosto de 1970 (faz hoje 40 anos), em Madras, Oregon, e faleceu a 31 de Outubro de 1993, em Hollywood, Califórnia [Wikipedia]. O seu trabalho — inscrito em filmes emblemáticos como Stand By Me (1986), Fuga Sem Fim (1988) e A Caminho de Idaho (1991) — deixou uma herança dramática indissociável de um sentimento incurável de solidão. Este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 de Agosto), com o título 'O actor como princípio fundador'.

Com o passar dos anos, as coincidências temporais libertam-se do turbilhão do quotidiano, adquirindo, por vezes, um simbolismo muito cru. Assim, por exemplo: 1993, ano da morte de River Phoenix, é também o ano de Parque Jurássico, de Steven Spielberg, e Super Mário, primeiro filme baseado num jogo de video. Com os seus dinossauros de fabrico digital, Parque Jurássico é uma notável fábula sobre a Natureza, a provar que, na geração que tomou o poder em Hollywood, Spielberg é dos poucos a pensar o entertainment, não como mera acumulação de efeitos especiais, mas como uma arte essencialmente narrativa; quanto a Super Mário, digamos, para simplificar, que é um imenso disparate, sintomático desse deslumbramento pueril pela técnica.
Uma coisa é certa: nesse contexto de aceleradas transformações industriais, Phoenix emergia como uma figura primitiva, ligada a um dos princípios fundadores de Hollywood. A saber: o actor, na sua carnalidade, como matéria primeira da nossa projecção nas convulsões emocionais dos filmes e das suas histórias. Há nele uma fragilidade adolescente que pode coabitar com uma violência sem nome, inquieta e inquietante, como se na sua génese dramática se tivessem cruzado a ligeireza de Mickey Rooney e a neurose de James Cagney [fotos, sucessivamente, à direita].
Com o passar dos anos e o triunfo comercial de um cinema alicerçado apenas na proliferação gratuita de efeitos especiais, nasceu uma nova geração de espectadores iludida com o marketing desses mesmos efeitos. Muitos desses espectadores são até capazes de olhar para Phoenix como uma “curiosidade” antiga e dispensável, quando não o desconhecem em absoluto. Quer isso dizer, afinal, que o nosso tempo favorece a ignorância da dimensão humana dos filmes. Continuamos, por isso, de luto.