quarta-feira, agosto 11, 2010

"Crazy Heart": directamente para DVD...

Lançado directamente em DVD, Crazy Heart é um exemplo extremo dos desequilíbrios do mercado cinematográfico: nem dois Oscars lhe valeram — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 de Agosto), com o título 'Você já ouviu falar de Jeff Bridges?'.

Jeff Bridges é uma força viva do cinema americano. Nascido em Los Angeles, em 1949, provém de uma família de actores, sendo o pai, Lloyd Bridges (1913-1998), uma referência lendária de Hollywood e também uma figura muito popular da televisão americana. Com o irmão Beau Bridges, mais velho oito anos, Jeff interpretou Os Fabulosos Irmãos Baker (1989), belíssimo melodrama de Steve Kloves em que o principal papel feminino estava entregue a Michelle Pfeiffer.
Graças ao “dramatismo” fácil dos retratos públicos de alguns actores (e actrizes), Jeff Bridges tem sido apontado, sobretudo por alguma imprensa americana, como uma personalidade “gasta”... sempre na expectativa de um regresso mais ou menos triunfal. Há poucos meses, o cliché reapareceu a pretexto da sua distinção com o Oscar de melhor actor, pelo papel de um desencantado cantor country, em Crazy Heart, magnífica estreia na realização do actor Scott Cooper. Em boa verdade, numa carreira recheada de grandes interpretações, e sem hiatos, era já a sua quinta nomeação, pertencendo a primeira (para melhor actor secundário), ao emblemático The Last Picture Show/A Última Sessão (1971), de Peter Bogdanovich, um dos grandes filmes de homenagem à herança clássica de Hollywood.
O absurdo amplia-se se tivermos em conta o tratamento a que os mercados internacionais têm sujeito Crazy Heart. Desde logo, investindo muito pouco (ou nada...) na promoção de um filme que arrebatou mais de uma dezena de prémios de diversas associações profissionais, incluindo dois Oscars: além de Jeff Bridges, foram também distinguidos Ryan Bingham e T-Bone Burnett na categoria de melhor canção (The Weary Kind). Em alguns países, o filme nem sequer foi mostrado nas salas, tendo sido objecto de um lançamento ultra-discreto em DVD — assim aconteceu, há poucas semanas, em Portugal.
O caso de Crazy Heart não é isolado, está longe de ser meramente português e não pode ser pensado a partir de qualquer “acusação” moralista contra quem o distribui ou edita. Reflecte uma tragédia que, sendo comercial, é visceralmente cultural: já nem mesmo um filme com um dos melhores actores americanos das últimas décadas, para mais consagrado com dois prémios da Academia de Hollywood, consegue “furar” um contexto de distribuição/exibição em que os blockbusters que ocupam várias dezenas de salas (ou milhares, no caso dos EUA) têm todos os privilégios promocionais.
Crazy Heart corresponde, afinal, a um modelo de cinema em que o calor humano dos actores é fundamental e que, para nossa desgraça, está a ser cada vez mais maltratado. A esse propósito, vale a pena recordar que, com Jeff Bridges, contracena a assombrosa Maggie Gyllenhaal (também nomeada para os Oscars, na categoria de melhor actriz secundária). Mas se Jeff Bridges é um valor esquecido na cotação dos mercados, que podemos esperar do nome de Maggie Gyllenhaal?

>>> The Weary Kind (Oscar de melhor canção, 2009), por Ryan Bingham.